domingo, 8 de agosto de 2010

Um olhar talvez... diferente

As crianças e os jovens são iletrados, analfabetos… no meu tempo é que era, hoje os professores enfim… são aquilo que se sabe ou, o que se faz constar, os pais e encarregados de educação transferiram competências para a escola e para os docentes que só eles podem exercer. E por aí fora como se reinasse o caos e a educação e o ensino fossem uma inutilidade, aliás com algumas reformas introduzidas e com as intenções anunciadas pelos responsáveis da educação no País e na Região a Escola enquanto espaço físico pode estar em vias de extinção, até porque é caro manter edifícios, pagar a auxiliares, administrativos, educadores e professores e nada como a modernidade do retorno ao ensino mediatizado desta vez utilizando as plataformas de comunicação que a internet disponibiliza.
Mais ou menos elaborado o discurso do falhanço da escola pública para todos vai estando na boca do cidadão comum mas também nos lábios de cidadãos que têm responsabilidades políticas e académicas e, se aos primeiros se poderá conceder alguma complacência, para os segundos não há indulgência que lhes valha até porque o seu discurso não é, de todo inocente e traz associado interesses que visam em última instância a paridade no financiamento do ensino privado e do ensino público em nome de um argumento falacioso que tem como ideia base a liberdade de opção pela escola que se pretende que os filhos e educandos frequentem mas que o Estado pague, esta é a condição sine qua non. Claro que tudo isto é perverso e mais não é do que transformar a educação e o ensino num negócio chorudo. Esta estratégia é transversal aos diferentes ciclos de ensino e no caso particular do ensino superior o Processo de Bolonha, tão bem aceite pela generalidade da academia, dos estudantes e das famílias, é um caso paradigmático.
Financiamento público para a construção das infraestruturas, contratação de professores e educadores em princípio de carreira, com as conhecidas renumerações salariais de miséria e, ainda o correspondente apoio social escolar para suportar as elevadas mensalidades – a tender para o vale de ensino -, tudo isto a par do encerramento de escolas públicas e o desinvestimento conhecido no sistema educativo público e da campanha de desacreditação a que nos últimos anos foi sujeita.
Regressando à avaliação que comummente se faz do Sistema Educativo em Portugal importa dizer que as afirmações que vão sendo feitas correspondem a uma parte da realidade, digamos que são as considerações que tendencialmente utilizamos para avaliar as pessoas, as organizações e as instituições. É mais fácil e cómodo ver os aspectos negativos, fica bem dizer mal de tudo ainda que de uma forma acrítica e pouco construtiva. Sou professor e cedo aprendi que o acto de avaliar só faz sentido se for para introduzir alterações nos percursos individuais quer do acto de ensinar, quer do acto de aprender e, depressa adjudiquei uma prática de valorização e descoberta daquilo que é positivo em cada um de nós promovendo assim a auto estima e indo ao encontro das sabedorias extra escolares para então organizar o processo de ensino aprendizagem que não tem de ser, necessariamente, uma mera sequência de transmissão de conhecimentos com base em manuais, por vezes de qualidade duvidosa, mas sim um percurso de descoberta em função das necessidades que cada momento vão surgindo.
Apesar de concordar que a Escola não está a fornecer as respostas de que eu gostaria não posso, todavia, subscrever o discurso negativo que se vulgarizou, e não subscrevo porque quando olho ao meu redor posso observar muitos, mas mesmo muitos casos de sucesso, aliás nunca percebi muito bem que os estudos científicos na área da educação se focalizem no insucesso escolar e existam tão poucos estudos para o sucesso escolar.
A meados da década de 90 quando exercia funções de gestão administrativa e pedagógica numa escola da Região criei, de entre outras “novidades”, no âmbito do Conselho Pedagógico, uma Comissão de Acompanhamento das Actividades Promotoras do Sucesso Escolar não uma Comissão de Combate ao Insucesso Escolar.
Os casos de sucesso dos nossos jovens vão desde as Ciências, à Literatura, às Artes Plásticas, à Investigação Científica, à Música enfim é só prestar atenção e, mormente, perceber que o número do sucesso dos jovens portugueses aumentou significativamente nas últimas décadas e isto, apesar de todos os ataques que têm sido desferidos à Escola Pública, só pode ser entendido como um sucesso do Sistema Educativo.
Se estou satisfeito? Não, claro que não. Se estou apreensivo? Sim, claro que sim.
Aníbal C. Pires, In A União, 06 de Agosto de 2010, Angra do Heroísmo

2 comentários:

Fernando Marques Fernandes disse...

Bem recordada a criação da Secção de Acompanhamento das Actividades Promotoras do Sucesso Escolar. De excelente memória, e com resultados evidentes, antes das metodologias das evidências tudo burocratizarem... E recordo também a inauguração das salas de estudo, para o estudo acompanhado. Saudades.

Fernando Marques Fernandes

Aníbal C. Pires disse...

Sem autonomia formal, conseguimos ir muito além na criação de um modelo pedagógico autónomo, centrado nos alunos e promotor do sucesso, sem facilitismos, mas eficaz muito eficaz.
Coordenadores de DT para os dois ciclos de ensino, 3 horas de redução para os DT e fiquemo-nos por aqui...
E o trabalho docente era um prazer agora é uma obrigação.
Bem hajas por teres vindo dar o teu testemunho.
Abraço,