Nunca, como nos tempos que correm, se publicou e escreveu tanto em Portugal. A parafrenália de títulos de autores nacionais nos escaparates das livrarias é sintoma de uma grande dinâmica editorial a que corresponderá, decerto, uma produção literária que, em minha opinião, só possível pela vivência livre e democrática do país e pela geração que cresceu e amadureceu com a Revolução de Abril.
Num tempo marcado pela imagem, pelos vídeo jogos e pela “Internet”, ou seja, num tempo altamente competitivo para a leitura, com tantos títulos e edições e considerando os aspectos comerciais da coisa, o número de leitores (consumidores) deve ter aumentado na devida proporção. E isso só pode ser bom!
Bom porque se aumentou o número de consumidores destes bens culturais, taxados como se de artigos de luxo se tratassem, e sendo assim é porque o gosto pela leitura e a elevação do nível cultural dos portugueses está a convergir com a média europeia. Isto da convergência cultural é tão, ou mais, importante do que a convergência económica e social de que tanto se fala.
Mas será de facto assim?
Existem outros indicadores que apontam em sentido contrário e, não me refiro à aquisição/venda de livros, aliás dados que desconheço, mas sim ao nível cultural médio dos cidadãos portugueses que, neste caso os dados são públicos (os outros possivelmente também), continua bem abaixo da média europeia e a educação e a formação (que inevitavelmente conduzem a práticas e à fruição culturais) continuam a não fazer parte da praxis cultural de quem nos tem governado.
Não tenho, obviamente, resposta para este paradoxo se é que chega a ser um paradoxo. Possivelmente não passa de uma interpretação formada erroneamente quando me dou conta da vastidão editorial, nacional e estrangeira, nas minhas regulares visitas às livrarias e contraponho, esse facto, com o meu dia-a-dia na escola, na rua, no café, na praia, na estrada, nas organizações, enfim no quotidiano português e constato que a essa vasta e diversificada produção e edição literária não corresponde uma visível e desejada mudança cultural.
Mais uma vez a afirmação produzida não tem sustentabilidade estatística, nem o rigor de um estudo é, apenas, uma impressão formada pela observação que, como qualquer outro olhar, dependendo da tomada de vista pode levar a outras imagens.
Esta, a que hoje aqui expresso, é apenas a minha impressão sobre a produção e a fruição cultural e os efeitos visíveis, ao meu olhar, que tem sobre o comportamento quotidiano dos cidadãos portugueses.
(*) O texto que hoje publico, foi escrito a 17 de Agosto de 2006. Dado, porém, que as impressões que naquele dia registei não se alteraram substancialmente, retirei-o do baú, sacudi-lhe a poeira do tempo e aqui o deixo.
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 25 de Agosto de 2010, Angra do Heroísmo
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