domingo, 5 de setembro de 2010

Deixa chover, a terra tásse consolando

Foto by Madalena Pires
Com exceção de uma visita de 3 dias à ilha do Corvo, no princípio do mês de Agosto, fiz da leitura, no recato do lar e no seio da família, a principal atividade de um tempo tradicionalmente tranquilo sem deixar, todavia, de estar atento ao que foi marcando a atualidade social, cultural e política.
Passar o Verão nos Açores, neste particular, na ilha de S. Miguel é um privilégio e nos últimos anos, uma opção consciente, por aqui tenho ficado fruindo os gradientes do verde, a brisa que sopra suave do imenso azul atlântico e as temperaturas amenas. É certo que alguma chuva, a elevada humidade e a brisa nem sempre amena que sopra, por vezes do mar, por vezes da terra, terá introduzido algumas perturbações na programação planeada para quem nos visita porque a nós, que aqui vivemos, há muito deixou de incomodar e, bem vistas as coisas, esta dinâmica dos céus açorianos constitui um fator que confere a este arquipélago atlântico particularidades climáticas cujo resultado é uma paisagem única e um património ambiental incomensurável.
Como disse li, Li muito e sobretudo lusografias, Pepetela, Mia Couto, Germano de Almeida, Raquel Ochoa e José Saramago, mas também outrasgrafias, confesso que li o último de Dan Brown, depois de ter terminado Istambul, de Ohran Pamuk. Mas como nem só de leituras vive um homem dediquei algum tempo à gastronomia, até porque tinha a família para alimentar e uma lista de pedidos para confecionar alguns petiscos que tradicionalmente fazia, Acedi pois nem sempre o tempo sobra para estes pequenos mimos. Mimos que, sem a prática de outros tempos, mas com muito amor pude proporcionar à minha família, tão sacrificada pelas minhas frequentes ausências, dando resposta os seus pedidos gastronómicos.
Saí muito pouco, gosto mais da cidade e da ilha sem o bulício da animação “cultural” produzida a rodos e com critérios e objetivos que nem sempre compreendo, Bem em abono da verdade até compreendo, mas com os quais não me identifico.

Foto by Madalena Pires
E é das minhas raras saídas que vos quero deixar duas notas despretensiosas, mas carregados de simbolismo, pelo menos assim o considero.
Numa roda alargada de amigos da minha geração ali pelo Doris Bar, nas Portas do Mar, o Zeca contava um episódio que se tinha passado, uns dias antes, numa ida às Sete Cidades.
Ao chegar, dizia o Zeca, procurei a D. Rosalinda a quem ia entregar um objeto que ela me tinha solicitado. Quando me acerquei diz-me ela em jeito de cumprimento, Eh querido ainda agora te vi na television e já aqui estás.
Pois é D. Rosalinda este Mundo agora é assim, anda tudo muito depressa, o pior é esta chuva que teima em nos estragar o Verão.
A resposta da D. Rosalinda saiu pronta e sábia na sua simplicidade, Deixa chover que esse chão tásse consolando.
E o Zeca, e todos nós que o ouvíamos percebemos que mais importante, que um dia ou outro em que a chuva transtorna a vida a quem está de férias, é a bênção da chuva que consola a terra e renova a vida.
O geocaching é uma actividade em franco progresso por todo o Mundo e, os Açores são um destino cada vez mais procurado para a prática dessa interessante atividade. Numa saída para os lados do Salto do Cavalo à procura de uma cache deparei com uma movimentação desusada para o local. Cedo percebi o que se passava por ali, iniciava-se um Festival de Parapente. Abeirei-me do local onde estava a decorrer o festival e fiquei junto a um grupo de pessoas que, tal como eu, observava com curiosidade e admiração as evoluções aéreas dos participantes que ora pairavam sobre o magnífico Vale das Furnas, ora faziam rasantes voos sobre as cumeeiras da grandiosa caldeira que abriga aquele vale paradisíaco.
A proximidade espacial com o grupo de pessoas do qual me tinha aproximado permitiu-me ouvir uma senhora dizer, Graças a Deus que na nossa terra já vai havendo e fazendo de tudo.
Fiquei a magicar naquela expressão e a pensar comigo próprio, Não será só graças a Deus, será também graças aos homens e às transformações que a Revolução de Abril permitiram quando, naquela primaveril madrugada, se iniciou a rutura com a ditadura fascista que durante 48 anos manteve este país ostracizado e o seu povo oprimido. Ditadura que militantemente alguns teimam em branquear, mas que outros, talvez ainda mais teimosos, não esquecem e fazem de Abril a data maior do século XX português.

Anibal C. Pires, In A União, 04 de Setembro de 2010, Angra do Heroísmo

1 comentário:

samuel disse...

"...mas que outros, talvez ainda mais teimosos, não esquecem e fazem de Abril a data maior do século XX português."

Graças a "deus"!!! :-) :-) :-)

Abraço.