terça-feira, 21 de junho de 2011

Engenharia do produto

Os produtos têm um ciclo de vida mais ou menos curto em função da sua qualidade e utilidade. Alguns produtos extinguem-se naturalmente por se esgotar a necessidade que lhes esteve na origem, outros sofrem alterações de função e de forma e iniciam um novo ciclo adequado a novas - reais ou criadas - necessidades, outros ainda mantêm-se inalteráveis e o seu ciclo de vida perpetua-se sem variações de monta, como por exemplo a “Coca-Cola”, não considerando as versões “light” e “zero”. Este refrigerante cujo consumo está globalizado mantém as suas características de origem e até mesmo a embalagem, embora tenha havido algumas variações o design da garrafa continua a ser uma das imagens da marca. O segredo do sucesso deste produto reside, no essencial, no apelativo marketing que permanentemente nos impele a consumi-lo mesmo tendo consciência de que pouco mais estamos a beber do que água, ainda que gaseificada e açucarada com uma dose adequada de cafeína e outros aditivos que o organismo humano dispensa.
O governo saído das eleições de 5 de Junho foi apresentado aos portugueses como sendo um novo governo. De facto temos um novo primeiro-ministro e se atendermos a que nenhum dos actuais ministros transitou do anterior, não há dúvidas que temos um governo novinho em folha e até mais pequeno que o anterior, como convém em tempo de crise das finanças públicas. O novo governo irá crescer com o tempo e com as necessidades de satisfação da clientela mas isso será uma outra estória.
Não há dúvida o governo da República sofreu alterações na sua orgânica e mudou radicalmente de protagonistas. Se isto é importante para o país!? Sim, talvez seja mas não tanto quanto se tem feito querer aos portugueses e muito menos do que seria desejável para o nosso futuro colectivo.
Posso até concordar, sem nenhum esforço, que era um imperativo nacional dar um empurrão a José Sócrates, não só pelo projecto político que ele protagonizou, mas também, e quiçá para alguns cidadãos este fosse o maior motivo, pelas suas patológicas intrujices.
Temos agora um novo governo assente numa confortável maioria parlamentar do PSD e do CDS/PP, sem dúvida. Mas e quanto ao projecto político que este novel governo transporta consigo, Será que também é novo? Tenho dúvidas, muitas dúvidas sobre a novidade do projecto político e das transformações sociais e económicas que possam vir a ocorrer em Portugal no curto e médio prazo. Temos um governo com uma novíssima roupagem mas com uma agenda política velha, como velhas são as receitas do FMI, ou seja, ao novo “produto” foi incorporado uma nova embalagem e um ou outro aditivo, assim como se fosse água mineral mas, agora com sabores variados e uma nova e estilizada aparência, todavia não deixa de ser, na sua essência, água mineral.
Diria que as políticas nacionais que nos conduziram até aqui sofrem ciclicamente uma intervenção dos “engenheiros do produto”. O PS com José Sócrates no principal papel cumpriu o que lhe estava destinado e, enquanto “produto” político ao serviço do capital financeiro, entrou em declínio. Segue-se um novo governo e o mesmo e velho projecto político que tem como efeitos conhecidos o aumento da pobreza, do desemprego, das desigualdades sociais, a continuação da destruição da já fragilizada economia nacional e de transformação do Estado num mero cobrador de impostos.
A mudança ficou-se, uma vez mais, pela embalagem.
Horta, 19 de Junho de 2011

Aníbal C. Pires, In A União, 21 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo 

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