terça-feira, 28 de junho de 2011

A Resolução da ONU sobre a Líbia

A minha simpatia por Muamar Kadafi situa-se ao nível da predilecção que nutro por Berlusconi, Sarkozy, David Cameron, ou Angela Merkel, isto é: não simpatizo. Não simpatizo nem com as personalidades, nem simpatizo com as políticas que estes líderes europeus protagonizam, nem com as políticas de Barack Obama, líder dos líderes. 
Esta reflexão não tem, por isso, nenhuma relação com uma eventual simpatia por Kadafi, aliás muitas das reflexões independentes que se produzem sobre a situação Líbia diabolizam o Coronel, aspecto que também não me interessa sobremaneira. Interessa-me, isso sim perceber porque é que o povo líbio apoia Kadafi, é que a não ser assim a poderosa NATO já tinha conseguido o seu objectivo e o facto é que desde 19 de Março de 2011 os bombardeamentos não cessam, nem os rebeldes obtiveram sucesso, o que só pode resultar, quer se goste quer não, do apoio popular da maioria dos líbios a Muamar Kadafi.
Recapitulemos, na sequência das revoltas populares que se verificaram na Tunísia, no Egipto, no Bahrein, no Iémen, na Síria, também na Líbia houve manifestações exigindo mudanças. Se bem me lembro na Líbia, ao invés de outras situações, as manifestações surgem em cidades secundárias e os manifestantes aparecem, desde logo, armados.
A 8 de Março os ministros de Defesa da NATO reuniram-se em Bruxelas para estudarem uma eventual intervenção na Líbia, no dia 17 de Março é aprovada, com a abstenção da Rússia, China, Alemanha, Índia e Brasil, a Resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A Resolução, proposta pela França, Líbano e Reino Unido, exige o cessar-fogo, o diálogo entre as partes e a exclusão aérea, ou seja, estabelecimento de interdição de voos excepto para benefício da população. A 19 de Março os EUA, o Reino Unido e a França iniciaram os ataques à Líbia supostamente para darem cumprimento à Resolução da ONU, mais tarde a NATO assumiu o comando das operações.
Que a posição dos EUA e da EU foi diferente na Líbia do que noutros países como o Bahrein e o Iémen é uma evidência, ninguém tem dúvidas. Porquê esta dualidade de critérios?
A Líbia era um país próspero com o maior rendimento “per capita” de toda a África e com o maior Índice de Desenvolvimento Humano daquele continente. A escolaridade era plena e a esperança de vida situava-se nos 75 anos, saúde universal e gratuita, pleno emprego e, ainda assim acolhia 1 milhão e meio de imigrantes egípcios e 800 mil imigrantes tunisinos mas, se isto não fosse suficiente a Líbia tem, para além de grandes reservas petrolíferas, um sistema financeiro autónomo ancorado em toneladas de ouro. À semelhança da Líbia também o Iraque, a Somália, o Libano, a Síria, o Sudão e o Irão têm ou tinham sistemas financeiros independentes do sistema financeiro internacional não necessitando, por isso, de intervenções do Banco de Compensações Internacional.
A guerra do Iraque foi justificada com uma monstruosa mentira internacional mas sabe-se, há muito, que foi o domínio geoestratégico daquela zona que esteve na sua origem, aliás a ameaça de Saddam Hussein de transaccionar petróleo em euros, ameaça que algumas fontes de informação dão como tendo sido concretizada, ainda que em pequena escala, terá sido o alerta vermelho para apressar a intervenção militar no Iraque. Sabe-se também que Muamar Kadafi tentou libertar o continente africano da dependência do sistema financeiro internacional com a criação de uma moeda e um sistema financeiro próprios.
A par destas evidências juntam-se os testemunhos internacionais que desmentem as notícias oficiais veiculadas pela comunicação social dita de referência. Segundo a ex-ministra argelina Saida Benhabiles a cidade Bengazi é controlada por terroristas e pelos serviços secretos da NATO, em Bengazi há mais bandeiras francesas que líbias. Na Líbia assiste-se ao massacre de um povo perpetrado por mercenários a soldo das potências ocidentais.
Como ainda reconheço alguma validade às Resoluções da ONU há um facto que é indesmentível: a acção da França, do Reino Unido e dos EUA e, posteriormente, da NATO é ilegítima. A Resolução do Conselho de Segurança apenas dá cobertura legal à exclusão do espaço aéreo líbio e isso foi garantido nos primeiros dias após 19 de Março de 2011. Assim só posso concluir que estão, como fizeram no caso do Iraque, a mentir à opinião pública mundial.
Ponta Delgada, 27 de Junho de 2011

Aníbal C. Pires, In A União, 28 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo 

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