quarta-feira, 13 de julho de 2011

Balanço ou talvez não

O ano parlamentar nos Açores foi, em grande parte, o reflexo do ano político nacional. Os sucessivos pacotes de medidas de austeridade afectaram todos os portugueses e, em particular as açorianas e açorianos. Em particular porquê? Porque apesar das inegáveis transformações e desenvolvimento que se registaram ao longo do processo autonómico, nos Açores o custo de vida é superior ao da média do país e os proveitos do trabalho são inferiores quando comparados com o rendimento que auferem os trabalhadores do território continental. São os custos da insularidade e as opções por um modelo de desenvolvimento económico que não consegue compensar, apesar dos avultados apoios dos fundos estruturais, o “handicap” permanente da distância aos centros de decisão e da condição insular e arquipelágica.
A crise financeira contribuiu para por a nu as fragilidades da economia nacional e a receita foi a conhecida. Austeridade e mais austeridade sobre a generalidade da população portuguesa a quem se vem pedindo há muito tempo, demasiado tempo, que pague pelos erros cometidos ao longo das últimas 3 décadas. Mas austeridade não é, nem foi para todos, os grandes grupos económicos e financeiros têm ficado de fora desta constante penalização que rouba rendimento ao trabalho e empurra a base da economia nacional para o colapso.
O reflexo a que me referi logo na primeira frase deste texto revela-se com nitidez nas medidas que na Região foram tomadas quer no apoio ao sector empresarial, quer na protecção, ainda que parcial aos rendimentos dos trabalhadores da administração pública regional e local e aos trabalhadores do sector público empresarial. Foram usados quase até ao limite os mecanismos autonómicos para reduzir o impacto dos PEC’s e outras medidas de austeridade. Para que fique claro sempre considerei que estas medidas eram insuficientes, são meros paliativos mas ainda assim e no campo dos princípios importantes por marcarem a diferenciação que sempre exigimos para a Região e, na qual consiste o fundamento da autonomia e o estatuto de região ultraperiférica (RUP).
No horizonte próximo e decorrente do acordo de resgate financeiro celebrado com o FMI, BCE e UE desenham-se profundos ataques à autonomia e mesmo ao estatuto de RUP. As imposições externas, diria mesmo, neocoloniais que o novo governo da República adoptou e que o PS, agora na oposição subscreveu, colocam em perigo o adquirido autonómico conquistado pelos Açores e pela Madeira mas, neste processo o que é mesmo estranho é o abandono da defesa da autonomia pelas estruturas regionais do PS, PSD e CDS que se remeteram à sua condição de serviçais. Lamentável!
É lamentável a falta de argúcia que, aliás não condiz com imagem pública, do Vice-presidente e do Presidente do Governo regional na “negociação” com a troika ao aceitarem as medidas que afectam directamente o adquirido autonómico e os poderes que constitucionalmente e estatutariamente estão conferidos aos Açores. Mas compreendo esta atitude de subserviência perante o “louro de olhos azuis”, o que não significa que ilibe de responsabilidades políticas os “negociadores” açorianos.
Percebo, porque quem ao longo dos tempos aceitou como bom o neocolonialismo cultural, económico e financeiro emanado dos directórios da UE, desenhado como se sabe, pelas potências ali dominantes, perdeu toda a autoridade para agora o contrariar, mesmo que isso signifique um profundo retrocesso no processo de construção da autonomia açoriana.
E não é uma inevitabilidade, aliás a desvalorização que o BCE fez recentemente das agências de notação, designadamente da Moody’s, ao não considerar a notação e mantendo as mesmas condições para Portugal na procura de financiamento externo, o que comprova que o problema mais que financeiro é um problema político.
Ponta Delgada, 12 de Julho de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 13 de Julho de 2011, Angra do Heroísmo 

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