quarta-feira, 6 de julho de 2011

O roubo

Na semana passada, caiu com estrondo a máscara de um dos maiores embustes políticos da nossa história recente. O debate do Programa do XIX Governo Constitucional foi revelador, se dúvidas houvesse, da sua natureza de classe.
De concreto, o programa de Governo trazia apenas as já conhecidas medidas da troika porque, de resto, são apenas 129 páginas de banalidades e de aprofundamento das políticas de austeridade com que o povo português tem sido brindado pelos alternantes governos do PS, PSD aqui, ali e agora com o CDS/PP.
Apesar do discurso impregnado de supostas preocupações sociais, as vítimas serão as mesmas. O PSD e o CDS que expliquem: - Em que é que pôr os trabalhadores a trabalharem mais e a receber menos ajuda as famílias? Em que é que o ataque aos direitos sindicais ou à contratação colectiva ajuda as famílias ou contribui para a consolidação orçamental? Em que é que a descida da Taxa Social única para as empresas, pondo em risco o sistema de Segurança Social, sem ajudar num cêntimo que seja a situação orçamental do país, em que medida é que esta opção vai ajudar as famílias? E tornar mais rápidos e baratos para o empregador os despedimentos? Vai esta medida ajudar as famílias portuguesas? Vai esta opção acabar com o défice?
Mas o mais grave e profundo logro que foi feito aos portugueses, PSD e CDS/PP não tiveram a coragem de o escrever, preto no branco, no seu programa de Governo. O mais profundo embuste, como dizia, foi ver o Primeiro-Ministro cabisbaixo, bisonho e pesaroso quando veio anunciar o roubo de metade do subsídio de natal dos portugueses ou, para ser mais rigoroso a criação de um imposto extraordinário equivalente a 50% do 13.º mês. O que, convenhamos, para os cidadãos é uma e a mesma coisa.
Apresentada como uma dolorosa inevitabilidade, esta medida pretende render aos cofres do Estado 800 milhões de Euros. Mas… era mesmo necessário ir tirá-lo aos bolsos dos portugueses? Apenas alguns exemplos de outras opções que renderiam mais e não penalizavam quem já pouco ou nada tem para dar: - Bastaria aplicar uma taxa de 0,2% sobre as transacções em bolsa para obter 250 milhões de euros, ou aplicar uma taxa efectiva de IRC à banca para obter mais de 300 milhões ou, ainda mais claramente, taxar as empresas sedeadas no off-shore da Madeira para o Estado embolsar mais de 1100 milhões de Euros em impostos que actualmente não cobra.
Era inevitável ir roubar o natal dos portugueses ou, afinal, o que há é vontade de continuar a sacrificar os mesmos de sempre para beneficiar os do costume?
Vai ser desta forma que PSD e CDS/PP planeiam ajudar as famílias de que tanto falam? Será que este roubo terá o famoso “visto familiar” que as medidas do Governo precisam para serem aprovadas?
Não me parece! Não me parece que qualquer família à qual vai ver subtraído rendimento por mais um imposto, por extraordinário que seja, dê o “visto familiar” a uma medida inesperada e que põe em causa o equilíbrio da economia doméstica, equilíbrio que muitas famílias só conseguem manter com o recebimento integral do 13.º mês no final de cada ano económico.
Horta, 05 de Julho de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 06 de Julho de 2011, Angra de Heroísmo

Sem comentários: