quarta-feira, 19 de março de 2014

Um dever que incumbe ao Estado

Foto => João Pires
A perda da gestão nacional sobre metade da Zona Económica Exclusiva da Região Autónoma dos Açores, em resultado do Tratado de Lisboa, constituiu-se com um atentado à soberania nacional e trouxe incalculáveis prejuízos económicos e ambientais para o nosso país e, de forma particular, para os Açores.
Mas estes danos e prejuízos são ainda ampliados pela total omissão de fiscalização pelos meios navais e aéreos do Estado Português. O Acórdão recentemente emitido pelo Supremo Tribunal Administrativo sobre o processo interposto por várias associações ambientalistas e de pescadores açorianos, embora considerando que não existe lugar ao pagamento de compensação pela responsabilidade civil extracontratual do Estado, reconfirma como provados uma série de factos de enorme gravidade, nomeadamente:
- Que a partir do ano de 2003 a Marinha e a Força Aérea Portuguesas deixaram de efetuar fiscalizações ao largo dos Açores para além das 100 milhas. 
- Que entre 2002 e 2004 não foram efetuadas missões conjuntas de fiscalização pela Marinha e pela Força Aérea e que os meios afetos à fiscalização nos Açores pela marinha portuguesa também diminuíram, quer em termos de meios, quer em termos de horas de fiscalização;
- Que o número de embarcações estrangeiras a pescar no mar dos Açores duplicou, em média, a partir do ano de 2003 e que esses barcos têm uma capacidade piscatória muito superior à dos barcos açorianos, pondo em perigo a manutenção dos stocks piscícolas;
- Que existiu uma omissão ilícita dos deveres de fiscalização por parte do Estado Português, que resultou num grave dano ecológico;
Estes factos demonstram um verdadeiro abandono da Zona Económica Exclusiva dos Açores para lá das 100 milhas por parte do Estado Português, permitindo todo o tipo de práticas marítimas ilegais, com garantia de tranquila impunidade para os infratores. 
Não existem dados que permitam afirmar que esta situação se alterou, pelo que estamos perante uma omissão reiterada que permite a continuação, senão o agravamento da destruição dos nossos recursos. As crescentes dificuldades dos nossos pescadores em resultado da diminuição das capturas de determinadas espécies no Mar dos Açores, não serão, de todo, alheias a este problema. 
De igual forma, o esforço legislativo da Região, desenvolvido nomeadamente através da criação de áreas marinhas protegidas, pode ver-se inteiramente inutilizado pela total falta de fiscalização in loco. 
Os sistemas de vigilância eletrónica, obrigatórios para as embarcações de maior porte, embora úteis, não permitem mais que sinalizar potenciais operações de pesca não sendo suficientes para garantir uma fiscalização eficaz que impeça atividades de pesca ilegal. Além disso, várias atividades ilegais, como o despejo de resíduos em mar altos (lavagem de tanques) não são detetáveis remotamente. Estes sistemas não podem, em caso algum, substituir a presença física de meios navais e aéreos que garantam o cumprimento das leis em vigor pelas embarcações e a proteção dos recursos do Mar dos Açores. Impõe-se por isso, de forma absolutamente imperativa, o reforço dos meios da Marinha e Força Aérea e o aumento do número de missões de vigilância. 
Esta é uma responsabilidade irrecusável do Estado Português, também perante a comunidade internacional, uma vez que está em causa a proteção de recursos naturais únicos com importância global para o bom estado dos oceanos.
E foi, com base nestes pressupostos que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou, por unanimidade, uma proposta da Representação Parlamentar do PCP que exige ao Estado Português que cumpra a sua responsabilidade de fiscalização da ZEE e reforce os meios navais e aéreos para esse efeito.
Vila do Porto, 17 de Março de 2014

Aníbal C. Pires, In Diário Insular et Açores 9, 19 de Março de 2014

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