sábado, 21 de julho de 2018

Turismo, Que modelo para os Açores - crónicas radiofónicas

Foto by Madalena Pires





Do arquivo das crónicas radiofónicas na 105FM

Hoje fica o texto da crónica emitida a 28 de Abril de 2018 que pode ser ouvida aqui








Turismo, Que modelo para os Açores

Foto by Aníbal C. Pires
Esta semana, em Ponta Delgada, viveu-se alguma, para não dizer uma exacerbada euforia à volta dos inúmeros navios de cruzeiros que por aqui fizeram escala. Pode até dizer-se que maioria dos micaelenses, ou só dos ponta-delgadenses talvez assim seja mais rigoroso, exultaram com a presença de milhares de turistas nas ruas da cidade e pelos principais pontos de atração turística da ilha de S. Miguel. Mas também não é menos verdade que alguns de nós olhamos para este fenómeno com alguma apreensão. Mas o que se viveu em S. Miguel nestes últimos dias mereceu, também, alguns reparos de cidadãos e organizações de outras ilhas pela incapacidade das suas infraestruturas portuárias para a atracagem de navios de cruzeiro a partir de determinada dimensão. Estas críticas e preocupações tiveram origem, no essencial, nas ilhas da Terceira e do Faial. No Faial foi a constatação do logro do novo porto, isto para quem ainda não o tinha percebido. Na Terceira o incumprimento de uma promessa eleitoral, motivou tomadas de posição públicas e até um requerimento na Comissão Parlamentar de Economia para que o atual e o anterior presidente do Governo Regional, ali fossem ouvidos.
Não vou discutir a insuficiência do investimento público que é, por demais, conhecida, poderei discutir, dentro das insuficiências, a hierarquização das prioridades do investimento público e as assimetrias ao desenvolvimento que essas opções têm provocado. Poderia, mas não o vou fazer nem aqui, nem agora. E não o faço pois, gostaria de deixar alguns tópicos de reflexão sobre este fenómeno que a tantos contenta e a alguns preocupa.
A presença, num curto espaço de tempo, de mais uma dezena de milhares de pessoas em S. Miguel provoca impactos ambientais que não serão, de todo, despicientes. Seja pelos resíduos que aqui são depositados pelos navios (são algumas toneladas), seja pelos excedentes de carga (visitantes) em zonas ambientalmente sensíveis. Dir-me-á que as vantagens para a economia regional compensam esses, eventuais, riscos. Talvez, depende do ponto de vista.

Foto by Aníbal C. Pires
Cá por mim quero um modelo para o setor que seja competitivo e sustentável, o que não é compaginável com a sua massificação. A competitividade do turismo açoriano, em minha opinião, deve ser assegurada pela singularidade do destino e não pelo baixo custo, por outro lado a sustentabilidade está diretamente relacionada com a peculiaridade das nossas ilhas, significando isto que quem nos procura espera encontrar um território (terra e mar) ambientalmente equilibrado e limpo, uma paisagem natural e humanizada únicas, e, não menos importante, um destino seguro.
Voltemos às vantagens económicas, mas também à redistribuição da riqueza gerada no setor.
Retorno ao turismo de cruzeiros para lhe deixar algumas questões. Quem abastece de combustível os navios, Quem os aprovisiona de géneros, Quem faz a recolha dos resíduos, De quem são os autocarros que asseguram o grosso dos circuitos turísticos aos visitantes que nos chegam navios de cruzeiro.
Responda a estas perguntas e encontrará o principal beneficiário do turismo de cruzeiros. Se sobra alguma coisa para os pequenos e médios operadores turísticos, Claro que sim e tenho de lhe dar a devida importância, mas parece-me que, como é habitual, este é mais um desenho feito por encomenda para servir quem já está bem servido.
Acresce ainda que os trabalhadores do setor continuam sem ver refletido nos salários e nos vínculos de trabalho os proveitos do crescimento da atividade turística. E esta questão também está relacionada com a sustentabilidade do setor.
Há outros aspetos sobre a indústria turística que se está a implementar na Região que devem ser objeto de reflexão, até porque noutras regiões e cidades os problemas assumiram uma dimensão que está a levar, por um lado à descaraterização dos territórios e que lhes vai retirar, a prazo, atratividade e, por outro a alterações no tecido social das cidades, ou seja, centros históricos passam a ser habitados por uma população flutuante e os residentes permanentes vão habitar os subúrbios por não terem capacidade financeira para suportar os aumentos do arrendamento e/ou aquisição de habitação.
Se o turismo é importante para a economia regional, sem dúvida. Se partilho deste estado de euforia mais ou menos generalizado, Não. Não partilho e tenho alguma apreensão relativamente ao modelo que está a ser implementado, à imprevisibilidade que resulta da volatilidade da indústria turística e à vulgarização do destino Açores.
Não, não sou um pessimista e muito menos um arauto da desgraça. Quem me conhece sabe que até sou uma pessoa otimista e tenho, como dizia José Saramago, “uma fé danada no futuro e é para ele que as minhas mãos se estendem”. (in Bagagem do Viajante)

Fique bem. Cá por mim conto voltar à sua companhia no próximo sábado.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 28 de Abril de 2018

Sem comentários: