quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Ucrânia é pretexto para apertar o cerco à Rússia*

 

imagem retirada da internet
Entrevista ao DI – 01 de fevereiro de 2022


1 - Há alta tensão na fronteira entre a Ucrânia e a Rússia, havendo várias interpretações sobre as causas da situação e os objetivos das partes. Qual a sua visão?

Existem razões históricas e políticas (mais ou menos recentes e, sem dúvida importantes) em que alguns analistas se fundamentam para explicar a presente tensão entre a Ucrânia e Rússia, considero, porém, que a atual situação de “iminente” invasão da Ucrânia pela Rússia, tem raízes bem mais prosaicas, não deixando, contudo, de ser muito preocupantes.

A principal razão é, como sempre, de domínio e hegemonia económica da qual os Estados Unidos não abdicam, ou seja, a questão não se fundamenta nos diferendos entre a Ucrânia e a Rússia, mas nos interesses económicos que os Estados Unidos pretendem obter ao apertar o cerco à Rússia através do seu braço armado, ou seja, a NATO. A expansão da NATO, contrariando a sua própria natureza, tem vindo a aproximar-se perigosamente das fronteiras russas e, se até agora o processo não tem merecido uma posição musculada por parte da Rússia, no caso da tentativa de integrar a Ucrânia na NATO é diferente porque ultrapassa uma linha vermelha inaceitável para a Rússia e que passo a explicar: a resposta a um eventual ataque nuclear, da NATO, à Rússia a partir de território ucraniano, não permite o tempo suficiente (7 mn) para uma resposta, não à Ucrânia, mas aos seus aliados europeus, ou seja, a Rússia perde capacidade de dissuasão nuclear o que colocaria este país numa situação de grande fragilidade perante os seus concorrente económicos e, por conseguinte, os Estados Unidos ficariam com o caminho aberto para atingir um outro objetivo, quiçá o principal, que é como já devem ter concluído, a China. Todos os analistas conhecem este cenário, mas os comentadores do mainstream, vá-se lá saber por quê, não o referem. 

Se a NATO (Estados Unidos) dotasse a Ucrânia com armas nucleares seria o equivalente a que a Rússia instalasse no México uma base militar com capacidade nuclear. Não é, nem num caso nem no outro, de todo, conveniente e o Mundo não ficaria mais seguro.

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2 - Acredita que a situação pode evoluir para guerra aberta? Porquê?

As tensões entre a Ucrânia e a Rússia foram, e continuam a ser, introduzidas externamente sempre na tentativa de que a Ucrânia passe para a esfera de influência da União Europeia, isto é, para a posição de subserviência aos interesses dos estado-unidenses e aos seu tiques imperiais, mas a Ucrânia, apesar das tensões e dos conflitos latentes, mantém com a Rússia relações comerciais que não são despicientes e que já levaram o presidente ucraniano a vir a público dizer para que os Estados Unidos e a NATO baixem o tom e deixem de alimentar a ideia da “invasão iminente”. Veja-se o seguinte: o gás russo que chega à Europa é canalizado através de um gasoduto que atravessa o território ucraniano. A Rússia paga, naturalmente, à Ucrânia a utilização do seu território pelo gasoduto. O valor de 2mil milhões de dólares pagos anualmente à Ucrânia, só por si, são motivo para que a Ucrânia não se deixe enredar em estratégias externas das quais seria a principal vítima nesta guerra económica, mas também num eventual conflito bélico. Por outro lado, o “bombardeio” psicológico está a criar um clima de medo entre os ucranianos, mas não é só, também ao nível económico e financeiro a Ucrânia e a Rússia estão já a sentir os efeitos deste clima de “invasão iminente” como por exemplo na desvalorização das suas moedas e na diminuição das exportações de gás russo para a União Europeia. O défice energético da União Europeia tem sido suprido por importação de gás liquefeito, vindo por transporte marítimo, dos Estados Unidos. Não é por acaso que o preço da energia tem subido nos países da União Europeia que mais necessitam de fornecimento de gás, pois, os estado-unidenses como se sabe são, nos negócios, pouco solidários.

Tenho algumas dúvidas que a evolução desta situação se desenvolva para um cenário de guerra, ou pelo menos a uma guerra que envolva mais do que a Ucrânia e a Rússia, até por que alguns dos membros da NATO não estão dispostos a seguir a estratégia estado-unidense.

3 - Não poucos analistas defendem que a Guerra Fria foi mal resolvida, designadamente no que diz respeito a fronteiras - situações que já tinham sido mal resolvidas no fim da II Guerra Mundial - e ao reconhecimento de zonas de influência. Qual a sua opinião?

 Eu que a chamada “guerra fria” nunca terá acabado. Após alguma latência recrudesceu, mas agora com outra designação, e com um âmbito mais alargado, num outro conceito de guerra, ou seja, a guerra híbrida.

4 - Da última vez que Portugal se aliou a sanções à Rússia, as exportações portuguesas ressentiram-se de forma dramática em alguns setores... Estamos de novo à disposição para novas sanções. Que papel é este que Portugal quer desempenhar?

Infelizmente a diplomacia portuguesa não é autónoma e isso tem custos elevados para o país e para a generalidade dos portugueses. As relações internacionais portuguesas são marcadas pelo seguidismo e pela subserviência a interesses que não são, de todo, coincidentes com o interesse nacional. Veja-se, por exemplo, o caso da utilização da Base das Lajes pelas forças armadas dos Estados Unidos e a triste figura (de cócoras) de sucessivos ministros dos Negócios Estrangeiros face às devidas compensações pelo uso e, reparos pelos danos causados na ilha Terceira.

Ponta Delgada, 31 de janeiro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 1 de fevereiro de 2022

* título da responsabilidade do Diário Insular 


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