terça-feira, 2 de setembro de 2025

música na FESTA


"A Festa do Avante tem sido, desde a primeira edição, um palco onde cabe o mundo. São muitos artistas de que gostamos muito, que fizeram, fazem e farão a banda sonora das nossas vidas. E são, sobretudo, amigos que se juntam. 

Do fado ao rock, da música popular portuguesa ao jazz, do rap às músicas do mundo, da música de intervenção à pop, da celta ao punk, do post rock ao funk, passando pelo hip hop, do afro beat ao blues, do R&B ao reggae, do kuduru à electrónica e à minimal repetitiva, de todas aquelas que não se integram em categorias formais. Dos nomes mais consagrados aos que o serão no futuro, todos passam pela Festa do Avante!"

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Mariam Abu Daqqa - a abrir setembro

A chacina de jornalistas e o genocídio continua na Palestina ocupada pelo estado colonial e sionista.

Mariam Abu Daqqa, repórter internacional, foi morta junto de colegas por um bombardeio sionista ao Hospital Nasser de Khan Younis, no sul de Gaza. O assassinato de Mariam ocorreu no dia 25 de agosto pp, com ela morreram mais 20 pessoas.

O estado colonial sionista já assassinou mais de 200 jornalistas, mas por cá (a ocidente) os jornalistas e comentadeiros avençados continuam a justificar o injustificável com o 7 de outubro e o Hamas, como se tudo não tivesse começado há mais de um século.

O silêncio é cúmplice.


domingo, 31 de agosto de 2025

as artes plásticas na FESTA

"Este ano há Bienal de Artes Plásticas na Festa do Avante!, que já vai na 24.ª edição: o júri seleccionou 127 obras de 104 artistas. A Bienal será mais uma vez um espaço de diversidade e afirmação, onde os visitantes podem fruir de obras de arte que, em alguns casos, lhes eram distantes, ao mesmo tempo que os artistas têm oportunidade para mostrar os seus trabalhos nas diversas linguagens e técnicas das artes plásticas, multimédia e performance/instalação, consideradas hoje património da arte contemporânea.

Em paralelo com a Bienal, o Espaço das Artes apresenta uma exposição da artista Rita Andrade – com licenciatura em Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e mestrado em Art & Politics na Goldsmiths, University of London. O seu trabalho centra-se no poder transformador da arte como um meio pacífico de comunicação e na defesa dos direitos humanos, inspirado nas suas viagens à Palestina e Honduras.

Por outro lado, funciona como um catalisador para o discurso crítico, encorajando a auto-reflexão, o pensamento crítico e a coragem para sair das zonas de conforto. Ao desafiar normas estabelecidas e construções sociais, Rita Andrade inspira uma consciência mais profunda da influência e responsabilidade individuais, levando os espectadores a pensar no seu lugar e impacto no mundo.

Para mais informações sobre o trabalho motivador e empenhado desta artista, pode ser consultado o site Rita Andrade Visual Artist.

No Espaço das Artes haverá também uma banca, acessível a todos os visitantes, com diversos materiais, nomeadamente catálogos e serigrafias."

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

jornadas de trabalho na FESTA


A Festa do Avante! é feita pelo trabalho voluntário dos militantes e amigos e não seria a mesma se assim não fosse. Ao construir a Festa, experimentamos o valor e o poder do trabalho colectivo, onde o trabalho de cada um conta; experimentamos a igualdade: é gente de todas as idades, novos e velhos, de muitos saberes diferentes, lado a lado, a aprender e a ensinar a montar tubos, a erguer paredes, pregar balcões, pintar murais, coser toldos, instalar luzes. E isso é o primeiro passo para fazer da nossa Festa! um lugar tão especial.

As jornadas de trabalho têm início no dia 28 de Junho. Queres juntar-te a nós?

Contacta um centro de trabalho do PCP ou envia um email para geral@festadoavante.pcp.pt

terça-feira, 26 de agosto de 2025

a gastronomia na FESTA

A melhor comida do país reúne-se na Festa! Do choco frito setubalense, aos bolos lêvedos dos Açores, da posta mirandesa, passando pelo maranho, ensopados, papas, estufados, grelhados ou doces tradicionais. Além da gastronomia portuguesa, há também uma oportunidade para experimentar receitas tradicionais de outros países, como a queimada galega, o pisco do Chile e do Peru, a autêntica pasta italiana e a popular cachupa, porque a gastronomia também é um espaço de património, de encontros, de solidariedade e de muitos afetos.

o país na FESTA


"O combate às privatizações (designadamente da IROA, IAMA e Portos dos Açores) é um dos temas dos Açores. Aqui também se aborda o turismo e homenageia o “escritor militante” José Dias de Melo no seu centenário."


quinta-feira, 21 de agosto de 2025

A romaria

imagem retirada da internet
Quero, antes de mais, fazer a seguinte declaração de princípio: não tenho nenhuma proximidade ideológica, nem simpatia política, com as personalidades referenciadas neste texto, o que não me inibe de emitir opinião sobre alguns factos recentes em que, algumas dessas personalidades foram protagonistas e outras meros figurantes.

O encontro entre Vladimir Putin e Donald Trump, no Alasca, não foi apenas um ato diplomático, a reunião e toda a encenação representa a imagem de um mundo em reconfiguração. As câmaras captaram sorrisos calculados, apertos de mão medidos, de entre outros pormenores que os jornalistas e analistas, em pânico, se esforçaram por decifrar, mas a essência residiu na agenda de Trump que Putin, com mestria, soube aproveitar.

Trump e Putin foram parcos nas palavras para a comunicação social e não alimentaram especulações, recusando-se a responder aos jornalistas que marcaram presença na conferência de imprensa conjunta. Deste encontro ficou claro que a Federação Russa, depois de um esforço hercúleo para a isolar, a ocidente, libertou-se desse sufoco, por outro lado, quer se goste quer não da personagem, Donald Trump ganhou pontos internamente, a sua baixa popularidade aumentou para mais de 50% de aceitação, mas talvez o mais importante seja a demonstração inequívoca de que os líderes da União Europeia e o do Reino Unido, são meros espetadores que aplaudem a guerra e alimentam o medo do perigo russo para justificarem os seus fracassos e a corrida armamentista. Por outro lado, o governo de Volodymyr Zelensky, mais não é do que peão no tabuleiro geopolítico ocidental que sacrifica o seu país e o seu povo agarrado ao mito de que a Rússia é assim como um demónio que se prepara para dominar a Europa. Não é de mais território que a Rússia carece, mas de segurança estratégica e de população que a sustente.

imagem retirada da internet

Quando dei início à recolha de algumas notas para este texto já se conheciam os anúncios de alguns líderes europeus e do o sempre servil Mark Rutte da intenção de se deslocarem à Casa Branca para se reunirem com Trump e Zelensky, de facto a comunicação social de referência, seja lá o que isso for, assim o anunciava: Trump reuniria com Zelensky na presença de Macron, Meloni, Starmer, Stubb, Merz, Von der Leyn e Rutte, havia, contudo, uma exceção o Bild, conhecido tabloide alemão, afirmava que Trump tinha recusado esse formato e que se reuniria, sozinho com Zelensky. Só depois receberia os líderes europeus, o SG da OTAN com a presença de Zelensky. O que veio a verificar-se, mas ainda assim esta coligação dos vencidos, não deixou de comparecer para se fazerem ouvir e ver, como se no atual contexto tivessem alguma importância a não ser o papel de financiadores de uma guerra que ninguém quer, a não eles.

Putin retirou-se de cena, Trump faz o trabalho dos dois e a União Europeia ficou na plateia, implorando pelo protagonismo que Trump, uma vez mais, lhes retirou ao interromper a reunião para falar telefonicamente com Putin. Triste figura dos líderes europeus que foram em romaria ser enxovalhados em Washington. 

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A velha Europa, ou melhor a moderníssima União Europeia, que outrora ditou rumos globais, arrasta-se, agora, atrás da estratégia estado-unidense. A obediência cega tem um preço elevado: tarifas adicionais, perda de autonomia industrial e a humilhação de investir nos EUA para manter vivo um parceiro que a trata como um vassalo. A Alemanha, motor económico da União Europeia, perde importância a cada trimestre; a França, prisioneira do narcisismo de Macron e das suas próprias crises internas, balança entre compromissos diplomáticos e sinais de impotência; Portugal, periférico e obediente, limita-se a acenar e nem sequer foi à romaria. O sonho dos europeístas está a volatilizar-se pelo pragmatismo servil e pela diligência das suas lideranças para não contrariar Washington.

Os EUA, de Joe Biden, a União Europeia e os dirigentes ucranianos que emergiram do golpe de estado, conhecido por euromaidan, escolheram o caminho da guerra, com o apoio dos movimentos neonazis, mormente, ucranianos, embora se verifique a presença de militantes nazis oriundos de todos os continentes.

Os Acordos de Minsk (2014–2015), que previam estatuto especial para as regiões do Donbass, retirada de armamento pesado e supervisão internacional, foram sistematicamente ignorados. Kiev, com o apoio tácito do Ocidente, preparou-se militarmente para confrontar Moscovo. O resultado é conhecido: uma guerra prolongada, uma Ucrânia destroçada, dependente de financiamento externo, uma Rússia consolidada e a União Europeia a pagar a conta. Quem escolheu a guerra esqueceu que diplomacia não é sinal de fraqueza, mas um instrumento para garantir a paz.

imagem retirada da internet

A expansão da OTAN para Leste violou promessas feitas à Rússia nos anos 1990: garantiu-se que a Aliança não avançaria “um centímetro para Leste”. Polónia (1999), Hungria e República Checa (1999), os países bálticos (2004), Roménia e Bulgária (2004), Montenegro (2017) e Macedónia do Norte (2020) foram sucessivamente integrados e, por fim, em 2023, concretizou-se a adesão da Finlândia num claro afrontamento à Federação Russa, uma vez que este país partilha uma fronteira de cerca de 1300 km, com a Rússia. A promessa de adesão da Ucrânia e da Geórgia em 2008 colocou Moscovo em alerta máximo. Os misseis da OTAN estão cada vez perto das fronteiras russas. Moscovo avisou. Renovou avisos. Alertou para as ameaças à sua integridade territorial. O Ocidente fez ouvidos de mercador, mas, em bom rigor, a narrativa russa da desmilitarização e da desnazificação, embora pareça estranha aos ouvidos de muitos cidadãos da União Europeia, não nasceu de um pesadelo dos dirigentes russos: é a reação natural à realidade vivida e cujos alertas, feitos pela Rússia, foram sistematicamente ignorados a Ocidente.

A questão da desnazificação não é um fetiche russo. O Batalhão Azov, com simbologia neonazi explícita, não é ficção, mas realidade integrada nas forças regulares ucranianas. O culto de Stepan Bandera, líder ultranacionalista e colaboracionista do nazismo, tornou-se prática institucionalizada, feriados, monumentos, ruas. Grupos neonazis europeus e de outras partes do mundo deslocaram-se para a Ucrânia, pós-euromaidan, para acederem a treino militar e ideológico. Organizações internacionais documentaram a presença desses grupos no país. Ignorar estes factos é negar a complexidade do conflito e, sobretudo, serve para alimentar a narrativa do perigo russo.

São os cidadãos europeus que suportam o fardo. A inflação corrói salários e pensões; a energia encarecida fecha fábricas e empurra famílias para a pobreza; os orçamentos nacionais desviam fundos da saúde, da educação e da habitação para alimentar a engrenagem militar. Enquanto isso, os Estados Unidos consolidam vantagens geopolíticas, a Rússia resiste e a Ucrânia sangra, prolongando a guerra. Os custos da obediência são claros: perda de autonomia, fragilidade económica e desgaste social. A União Europeia financia um conflito que não lhe pertence, paga por decisões tomadas fora do seu território e por interesses que não são os seus.

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Trump precisa de demonstrar força, aliás cultiva essa imagem, e a União Europeia dá-lhe palco. O encontro com Zelensky mostra que a palavra final será estado-unidense, que a União Europeia deve esperar e que a sua influência se limita ao papel de espetador e financiador. Bruxelas tem abdicado da sua soberania, reduzindo-se ao eco de Washington do mandato de Joe Biden, a agenda mudou veremos como se comportam os dirigentes da União Europeia agora que a administração mudou de posição, e Trump, de forma clara, assumiu claramente teses alinhadas com as posições russas.

A cimeira entre Trump e Putin teve consequências bem visíveis pela forma como a administração estado-unidense assumiu a posição da Federação Russa no que diz respeito à questão de cessar-fogo já, passando a defender a construção de uma paz duradoura e, para que isso seja possível, é necessário resolver as questões que estão na origem do conflito russo-ucraniano, como sejam: a recusa de integração da Ucrânia na OTAN; a desnazificação; e a cedência do Donbass à Federação Russa. Sim! Por tudo isto, mas também pela forma, subalterna, como foram recebidos os líderes europeus.

Ponta Delgada, 19 de agosto de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 20 de agosto de 2025

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

encontros

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Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(…) Trump e Putin foram parcos nas palavras para a comunicação social e não alimentaram especulações, recusando-se a responder aos jornalistas que marcaram presença na conferência de imprensa conjunta. Deste encontro ficou claro que a Federação Russa, depois de um esforço hercúleo para a isolar, a ocidente, libertou-se desse sufoco, por outro lado, quer se goste quer não da personagem, Donald Trump ganhou pontos internamente, a sua baixa popularidade aumentou para mais de 50% de aceitação, mas talvez o mais importante seja a demonstração inequívoca de que os líderes da União Europeia e o do Reino Unido, são meros espetadores que aplaudem a guerra e alimentam o medo do perigo russo para justificarem os seus fracassos e a corrida armamentista. Por outro lado, o governo de Volodymyr Zelensky, mais não é do que peão no tabuleiro geopolítico ocidental que sacrifica o seu país e o seu povo agarrado ao mito de que a Rússia é assim como um demónio que se prepara para dominar a Europa. Não é de mais território que a Rússia carece, mas de segurança estratégica e de população que a sustente. (…)

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

tempestades de Verão

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Estamos em plena estação ridícula ou, preferindo, a silly season. Esta é a época do ano assim chamada, nas corporações mediáticas, por ser de baixa intensidade informativa e pelos critérios jornalísticos ou as linhas editoriais, baixarem a guarda e noticiarem as frivolidades da época. Bem! Atualmente e escalpelizando o conceito pode, sem perigo de errar, utilizar-se para qualquer época do ano, quiçá mais uma vantagem da pós-verdade, dirão os globalistas. Eu não direi mais que lamento desiludir os leitores. Tenho por hábito, nos meses de Verão, aligeirar estes escritos para não perturbar as merecidas férias ou, não sendo o caso, deixar que a tranquilidade dos dias luminosos de verão não seja acinzentada por temas que, apesar do estio, vão acontecendo e, direta ou indiretamente, influenciam as nossa vidas.

As tempestades estão aí e não há como ignorá-las, aliás os efeitos já se vão sentindo na quantidade de dias do mês que sobram ao salário, nos serviços públicos de saúde, na educação, no aumento da pobreza e da exclusão. Se todos, com maior ou menor intensidade, sentimos e conhecemos os efeitos, nem todos temos a mesma visão sobre a origem das causas e, sobretudo, do caminho que temos de trilhar para chegar a um mundo mais justo, mais cooperante e onde a paz seja a realidade que a humanidade exige.

Um destes dias ouvi e vi uma cidadã judia, nascida em 1941, perguntaram-lhe qual era o seu maior problema e a resposta foi: Gaza. Tendo depois justificado a suas preocupações em relação ao povo palestiniano e a sua incompreensão pelas ações do estado sionista.

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Se a pergunta me fosse dirigida a minha resposta, embora comungando das preocupações da cidadã, diria que o maior problema é: a Palestina ocupada por um projeto colonial desenhado pelo sionismo mundial. E a cumplicidade da generalidade dos países europeus e dos Estados Unidos. Não é apenas Gaza, é toda a Palestina histórica, é todo o povo palestiniano que, desde 1948, tem vindo a ser a vítima de genocídio. Não há outra palavra para descrever o terror na Palestina ocupada. Um genocídio transmitido em direto, perante o qual o silêncio dos cidadãos é: cumplicidade; e a atuação política da União Europeia, dos Estados Unidos e de outros países que emergem no cenário mundial é: hipocrisia.


A indiferença europeia perante esta tragédia não é nova. É estrutural. E revela uma subserviência diplomática que não se limita ao caso palestiniano. A União Europeia, que um dia sonhou ser um bloco autónomo, converteu-se num eco submisso da estratégia atlântica. Na Líbia, participou com entusiasmo na destruição de um Estado funcional, mergulhando o Mediterrâneo num caos prolongado. Na Ucrânia, alimenta a ilusão de uma vitória militar impossível, enquanto prolonga o sofrimento e bloqueia qualquer solução política. Na Palestina, ensaia frases ambíguas que não comprometem. E, na questão migratória, o seu cinismo é total: criminaliza as vítimas das guerras que ajudou a provocar e financia milícias e muros para as conter.

A continuidade do Acordo de Associação de Israel / UE, que continua a vigorar, é sintomático da cobarde cumplicidade com o massacre que atualmente atingiu um patamar de terror que nos envergonha a todos. A UE, segundo as palavras de um antigo dirigente político europeu: é um “gigante económico, mas um anão político”; o epíteto é conhecido desde a intervenção da OTAN na Jugoslávia, em 1999, e que se tem vindo a confirmar ao longo destes últimos 30 anos. Esta proverbial frase mantém uma pungente atualidade. Veja-se o resultado do recente acordo entre a UE e os EUA. Este acordo, celebrado com pompa sob o disfarce de uma “colaboração estratégica em tecnologia e comércio”, reforça essa dependência. Bruxelas ajoelha-se perante Washington em áreas críticas como a inteligência artificial, os semicondutores, a indústria da defesa e os fluxos energéticos. Dependência que se constata, também, na aceitação de 15% de taxas sobre os produtos de exportação para os EUA, acolhida sem qualquer imposição de uma taxa recíproca para as importações dos produtos estado-unidenses. A UE, que alguns continuam a ter como modelo social, económico e político, tornou-se uma extensão da Casa Branca. A autonomia dos órgãos não eleitos da UE e das famílias políticas que dominam o Parlamento Europeu, são hoje um mito ou, pior ainda, um pretexto retórico para justificar decisões tomadas à margem dos povos e dos países membros.

Em Portugal, as tempestades globais ecoam com contornos próprios e, sendo o nosso país uma economia frágil e periférica, não é difícil prever que se avizinham tempos complexos para quem vive do seu trabalho, sejam trabalhadores por conta de outrem, sejam trabalhadores independentes, sejam os micro, pequenos e médios empresários. Mas se as decisões externas nos vão afetar, também as decisões internas, com a matriz ideológica do chamado mercado livre, contribuirão para que as condições de vida dos portugueses se agravem e aumentem as clivagens sociais.

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Tendo consciência que o assunto, da forma como olho para ele, não reúne apoio generalizado não posso, contudo, deixar de o abordar neste escrito até pela decisão do Presidente da República que, como é do domínio público, pediu a fiscalização da constitucionalidade de algumas normas “Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional”, vulgo lei dos estrangeiros, que foi recentemente aprovada na Assembleia da República. Mas não é só, as propostas de alteração à “Lei da Nacionalidade” têm suscitado fortes críticas em diversos setores da opinião pública nacional. E tudo isto se passa num país que afirma a pés juntos defender os direitos humanos, como se migrar e reagrupar as famílias não fosse um direito básico da humanidade e a aquisição da nacionalidade não fosse uma condição intrínseca à integração plena no país de acolhimento.

Estes dois instrumentos legais visam penalizar as comunidades imigrantes que têm procurado em Portugal um lugar para melhorar as suas condições de vida, tal como se passou com centenas de milhar de portugueses que percorreram os caminhos da emigração, pelos mesmos motivos e que, também, no destino foram alvo de incompreensão e discriminação. Um país com séculos de emigração e raízes espalhadas por todos os continentes, que viu nascer comunidades luso-descendentes espalhadas pelo mundo, deveria encarar a pertença com abertura democrática e não com desconfiança administrativa, ou arma de manipulação política. A cidadania não pode ser refém de preconceitos culturais, nem de equações políticas cujas variáveis apenas servem para alimentar a imigração ilegal e expor os cidadãos às máfias que se alimentam do tráfico de seres humanos e à servidão por empresários sem escrúpulos, sejam ou não de nacionalidade portuguesa.

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As anunciadas alterações às “Leis Laborais” que visam precarizar, ainda mais, o mercado de trabalho, facilitar despedimentos e abrir a contratação externa (outsourcing) após um processo de despedimento coletivo, diminuir o valor real dos salários, redução do tempo para amamentação, são sinais, de entre outros, que a situação social em Portugal se vai agravar. O Serviço Nacional de Saúde resiste num esforço heroico, mas claudica sob a pressão da crónica suborçamentação. A escola pública, que foi farol de mobilidade e de ascensão social, é agora um espaço de resistência, desvalorização e desgaste para quem nela trabalha, mas também de luta para manter a sua qualidade. A pobreza estrutural alastra. O desalento social cresce. 

Entre as frivolidades da estação, os fogos-de-artifício das campanhas de verão, e a espuma dos dias, o essencial corre o risco de se perder. Mas há verdades que persistem, mesmo sob o sol. E há silêncios que gritam. O verão não pode ser desculpa para a indiferença. Porque as tempestades não conhecem calendário. Nem têm estação própria. A indiferença é aliada do poder e do pensamento dominante. Não sejamos cúmplices, pelo silêncio e pela indiferença.

Ponta Delgada, 5 de agosto de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 6 de agosto de 2025

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Hiroshima, oitenta anos depois

Hoje passam oitenta anos sobre a manhã em que a cidade de Hiroshima foi varrida da superfície da Terra por uma nuvem de fogo e silêncio. A 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram a primeira bomba atómica sobre uma cidade habitada. Três dias depois, em Nagasaki, repetiriam o hediondo gesto. Disseram-nos que era para pôr fim à II Guerra Mundial. Declararam-no, mas não passou de uma mentira pois, sabe-se que o objetivo foi outro e os documentos desclassificados e os testemunhos comprovam-no.

Hiroshima estava viva naquela manhã. As crianças a caminho da escola, homens e mulheres a iniciar a sua jornada de trabalho, idosos sentados à soleira das portas. Num instante, o céu abriu-se num clarão sem nome e a cidade desfez-se em cinza, vapor e dor. Os que não morreram de imediato, viveram para testemunhar o horror: os hibakushas, sobreviventes sem paz.

A explicação oficial, repetida ao longo das décadas, invocou a necessidade de terminar a guerra e poupar vidas estado-unidenses. Evitar-se-ia, diziam, uma invasão terrestre ao Japão. Mas hoje, à distância dos anos e à luz de documentos e testemunhos esquecidos, essa justificação revela-se falaciosa. O Japão estava vencido, esgotado, com as suas cidades destruídas por bombardeamentos convencionais, a economia colapsada, a capacidade militar desfeita. Sondava-se já a possibilidade de rendição. A capitulação dependia, ao que se sabe, de garantir a permanência simbólica do imperador.

Então, porquê a bomba atómica sobre Hiroshima?


Não foi uma necessidade, foi uma demonstração. A bomba caiu, não sobre um alvo militar, mas sobre uma população civil, para que o mundo, em particular a União Soviética, tivesse consciência deste novo poder bélico dos Estados Unidos. Era o início de uma nova ordem mundial, assente no medo. Um aviso geopolítico com consequências humanas irreversíveis.

Mas este hediondo crime, perpetrado a mando de Harry S. Truman (então Presidente dos Estados Unidos), também serviu a outros propósitos: justificar o investimento no Projeto Manhattan, exibir a supremacia tecnológica, testar em cenário real os efeitos desta arma, a sua letalidade e os seus efeitos destrutivos. Hiroshima foi um laboratório de horror, e a Humanidade, uma cobaia.

Alguns dos principais comandantes militares estado-unidenses da época, Eisenhower, MacArthur, Leahy, condenaram o lançamento da bomba. E afirmaram, com a lucidez que a História veio a confirmar, que não era necessário, não era moral, não era humano.

Mas não satisfeitos os falcões e Harry S. Truman repetiram o crime três dias depois em Nagasaki.

O que aconteceu em Hiroshima e Nagasaki foi um crime. Um crime de guerra, sim, mas sobretudo um crime contra a própria condição humana. A paz que se quis impor com destruição jamais poderá ser chamada verdadeira paz.

Hoje, ao recordar Hiroshima, não basta lamentar os mortos. É preciso lembrar os vivos, e os que virão. O arsenal nuclear persiste, moderniza-se, e permanece suspenso sobre todos nós como uma espada muda. Os que detêm esse poder continuam a dizê-lo necessário, como se a segurança e a PAZ se construíssem sobre a ameaça da guerra, com ou sem bombas nucleares.

Mas há quem se recuse a aceitar esse destino. Há quem insista em lembrar, em dizer, em escrever, não por nostalgia, mas por dever.


Recordar Hiroshima e Nagasaki é recusar a amnésia útil dos vencedores e dos seus indefetíveis acólitos, é dizer que a paz não pode ser imposta pela força, mas construída pela justiça, pela verdade e pela memória.

E talvez, um dia, havendo coragem para pôr fim ao armamentismo, seja possível confiar, de novo, na vida. E o futuro, se ainda for possível, terá de nascer do desarmamento, das armas e das consciências.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 6 de agosto de 2025