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Raquel Varela é uma académica de mérito reconhecido, com presença mediática constante, até há algum tempo. Esta personalidade constrói um discurso que, aparentemente, se apresenta como diferente de tudo o que existe, e que, por isso mesmo, reclama para si a autenticidade que faltaria aos demais, embora, sem grande esforço de memória, encontremos paralelismos entre Raquel Varela e o discurso de afirmação alternativa de formações partidárias da chamada esquerda que pouco, ou nada, vieram acrescentar à luta por transformações com impacto na vida do povo e dos trabalhadores portugueses.
A sua crítica ao PS, ao BE, ao Livre e ao PCP, na sequência do debate entre António Filipe e Gouveia e Melo, parte do seguinte pressuposto:
- a esquerda portuguesa teria abandonado o horizonte transformador, acomodando-se ao Estado, ao compromisso europeu e aos limites do possível. Não está totalmente errada nessa constatação, pois o PS há muito se converteu à terceira via e o BE assumiu-se como social-democrata civilizacional, mas o que Raquel Varela propõe em alternativa não é uma renovação do pensamento de esquerda, é um regresso a um passado distante, ao contexto histórico e ao que se lhe seguiu.
Para Raquel Varela a história parece existir apenas como argumento moral, por outro lado esta sua crítica não assenta bem ao PCP, embora tenha sido este o Partido que foi alvo no texto que publicou a propósito de um debate sobre as presidenciais entre Gouveia e Melo e António Filipe.
A retórica eco socialista que reivindica, seja lá isso o que for, procura mais distinguir do que construir. E é nessa distinção, muitas vezes feita pela negativa, que se esboça algo que se assemelha a uma nova força política partidária. Não organizada, não formalizada, mas insinuada. A génese das formações partidárias, afinal, começa quase sempre assim: primeiro a narrativa, depois o sujeito que a criou. E não seria a primeira vez que a política portuguesa assistia a isto.
O texto que publicou sobre o debate presidencial confirma essa deriva. Em vez de análise, temos acusação. Em vez de crítica, um moralismo inflamado que rejeita tudo o que não se alinhe com um internacionalismo revolucionário de início do século XX, como se a realidade geopolítica do nosso tempo não fosse incomparavelmente mais complexa do que a Europa de 1915, ou seja, o que foi acordado na pequena vila suíça de Zimmerwald terá sido o mais adequado para o contexto da época, mas os contextos alteram-se e com eles as estratégias e os instrumentos.
Para Raquel Varela, O “Estado”, esse monstro que ela descreve, é sempre instrumento da dominação, nunca da coesão, nunca da proteção, nunca da soberania democrática. É uma leitura que pode seduzir pela forma, mas falha pela ausência de mundo. Eu também sou utópico, mas um passo de cada vez é o mais avisado.
Quando afirma desejar “a derrota da nossa nação pela vida do nosso povo”, a frase brilha enquanto retórica, mas treme enquanto política. A nação não é apenas uma invenção da burguesia, e mesmo que o tenha sido, a nação é também o lugar concreto onde se disputa trabalho, direitos, igualdade, recursos, futuro. A sua dissolução não liberta os trabalhadores, entrega-os a poderes mais opacos, menos controláveis, mais brutais.
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É verdade que a esquerda portuguesa vive um tempo de esvaziamento eleitoral, mas não será com contributos como o da Raquel Varela que se conseguirá que a esquerda tenha a expressão eleitoral que já teve, influência social nunca a deixou de ter.
Raquel Varela fala e escreve com força, mas essa força corre o risco de se transformar apenas em gesto. E o gesto, sem enraizamento, sem programa, sem construção coletiva, não passa de impulso, um impulso com propósito, neste caso o propósito foi tentar descredibilizar o candidato António Filipe que apenas se referiu ao texto constitucional quando falou sobre defesa nacional. A este propósito, também os tenho, gostaria de saber o que pensa Raquel Varela sobre a luta do povo palestiniano na defesa da sua pátria.
A verdadeira alternativa à esquerda não se fará contra o Estado ou contra a nação, mas através deles.
Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 3 de dezembro de 2025


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