domingo, 21 de dezembro de 2008

Celebrar o quê? Para quê?

A época natalícia e o limiar de um novo ciclo temporal ou, de outro ponto de vista, o fim de mais um ano, aconselham a escritas onde os votos: de prosperidade, de fé e esperança na família, na amizade, no amor ao próximo e à próxima, na solidariedade, na paz, na diminuição das emissões de gases com efeito estufa, na demissão do Governador do Banco de Portugal, ou mesmo na formulação de votos para que José Sócrates seja convidado para conselheiro do novo Presidente dos EUA e a D. Maria de Lurdes Rodrigues para ajudante de campo da Secretária de Estado que Barack Obama escolheu para disciplinar o Mundo.
Sei que me ficaria bem, que seria politicamente correcto, que só teria a ganhar se alinhasse mas não, este ano não! Não alinho… Desalinho.
Não que o Solstício de Inverno não mereça uma referência e merece! Merece uma honrosa menção pela renovação cíclica do tempo e da vida pois, tudo o resto é produto de consumo e, como em tempo de crise o gasto tem de ser limitado ao essencial vou deixar-me de luxuosas formulações de votos efémeros uma vida repetidos.
Não faz muito sentido celebrar a família num quadro político que de algum tempo a esta parte tende a destruí-la. Veja-se a liberalização das relações laborais com o Código de Trabalho e o seu agravamento na versão socrática. A celebração é a luta pela família e pela reposição dos direitos que lhe foram paulatinamente sonegados.
Não faz muito sentido celebrar o amor se não nos deixam tempo para amar. Com o novo Código Laboral o horário de trabalho pode chegar às 60 horas semanais. Quem é que tem tempo para cultivar a amizade!? Quem é que tem tempo para amar!? Sim, porque é preciso tempo para a amizade, porque é preciso tempo para amar. A celebração é a luta por um tempo nosso, por um novo tempo, um tempo que estruture a vida, o trabalho, a família, a amizade, o amor.
Não faz muito sentido celebrar a prosperidade num país com 18% da população a viver abaixo do limiar da pobreza. A celebração é a luta pela distribuição equitativa da riqueza e para que Portugal deixe de ser o país da União Europeia onde se verificam as maiores desigualdades sociais e económicas.
Não faz muito sentido celebrar a paz se nada fazemos para a construir e aceitamos acriticamente a escalada militarista dos Estados Unidos e da União Europeia. A celebração é luta pela construção da paz, pela desmilitarização, pelo cumprimento das Resoluções das Nações Unidas.
Não faz muito sentido celebrar a solidariedade se promovemos e cultivamos o individualismo e a competitividade exacerbada. A celebração é a luta contra a obsessão de tudo mensurar e tudo quantificar sem avaliar os impactes das medidas e das acções. A celebração é a luta pelo trabalho cooperativo, pelo dever social de partilhar o conhecimento
Não faz muito sentido celebrar quando o Mundo agoniza lentamente sob o espectro: da guerra, do aquecimento global, das pandemias, da pobreza…, da desumanidade. A celebração é a luta pela sobrevivência do planeta, pela sobrevivência da humanidade.
A esperança não foi abalada e, se possível direi que até sai reforçada. Um Mundo Melhor é Possível e então se for sem os Constâncios, as Marias de Lurdes Rodrigues e os Sócrates será, francamente melhor.

1 comentário:

Maria Margarida Silva disse...

Celebrar o quê e para quê?

Não que os temas dos teus textos não sejam sempre interessantes, mas este título tocou-me de uma forma peculiar. Porquê? Porque vem de encontro e de uma forma tão especial ao que eu sinto nesta época natalícia que cada vez me diz menos.
Natal significa, infelizmente e para muita gente, consumo. Todavia, qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade não pode ficar indiferente ao que se passa no nosso país e no resto do mundo.
E, tal como tu, também não alinho nos votos de Boas Festas só porque é usual, fica bem e faz parte da época natalícia.
Realmente, Aníbal, como tu afirmas e muito bem, “não faz muito sentido celebrar a prosperidade num país com 18% da população a viver abaixo do limiar da pobreza.”
O Natal não é igual para todos e não é sempre que o homem quer, mas só quando alguns querem.
Sinto raiva do mundo e, sobretudo, do meu país!
É preciso, direi mesmo urgente, levantar os olhos do nosso umbigo e olhar à nossa volta. Há muito para fazer e cada um de nós pode e deve contribuir para mudar um pouco o mundo e iluminar os que se encontram à nossa volta.
Afinal, o sonho comanda a vida e “sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.”