terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A globalização da desgraça

Com a impossibilidade de esconder por mais tempo a falência do capitalismo neoliberal, também conhecido por economia de mercado, para não ferir susceptibilidades, eis aí a crise financeira em todo o seu selvagem esplendor. Feroz sim mas, para ser rigoroso, é necessário dizer que à crise ainda falta parte do aparato, quer nos efeitos, quer na extensão. Digamos que, com as medidas anunciadas, os tempos que se avizinham não vão ser fáceis para os mesmos de sempre. Enquanto dura, a crise, há que aproveitar o choque provocado nos “mercados”, mais que o baque provocado nos cidadãos, ainda hoje em choque pela situação a que isto chegou, para reinventar o capitalismo e difundir as balelas do costume para que nada mude a não ser a linguagem e, continuem a ser os mesmos a acarretar com os efeitos da crise que, sendo financeira, começa já a produzir efeitos na economia produtiva.
Não deixa de ser interessante, embora dramático, ver como os analistas e os decisores abandonaram a tese do défice e do controlo da inflação que justificaram sacrifícios para os trabalhadores, para as populações e para os pequenos e médios empresários, quer pela via da sobrecarga fiscal, quer pelo aumento do preço do dinheiro (juros), quer ainda por uma política salarial e laboral de desvalorização do trabalho. Enquanto isto a actividade bancária e as seguradoras apresentavam, no auge da crise, chorudos lucros, que engordavam de trimestre para trimestre, e a concentração da riqueza a acentuar-se a um ritmo sem precedentes de onde, naturalmente, resultou o aumento das desigualdades sociais e económicas. O sucesso de alguns é a desgraça de muitos.
As virtualidades da globalização estão à vista! A desgraça foi, em definitivo, globalizada. Já não precisamos de olhar para o Sul do subdesenvolvimento e fazer campanhas de angariação de géneros e ficar de consciência tranquila. Ao Norte desenvolvido e civilizado não faltam cidadãos para alimentar, para cuidar. Em Portugal mais de 15% da população vive abaixo do limiar da pobreza, nos Estados Unidos os pobres já são 35 milhões, 12% da população e, 60% destes cidadãos estão em permanente situação de insegurança alimentar, ou melhor, passam fome. Os banqueiros continuam a engordar e desta vez vieram comer a mão do Estado. Estado que, segundo os ideólogos neoliberais, devia reduzir-se à sua insignificância, face à magnitude e pujança da auto-regulação social e económica da economia de mercado.
Aníbal Pires, IN Açoriano Oriental, 01 de Dezembro de 2008, Ponta Delgada

2 comentários:

Maria Margarida Silva disse...

Tanta riqueza mal distribuída e tanta gente a passar fome.
Sócrates continua a agir como se nada se passasse! Fala de um país que não é o nosso, um país do faz-de-conta onde o desemprego está a diminuir e milhares de idosos saíram da pobreza, graças ao dito complemento de pensão. Entretanto, são esses mesmos idosos que vivem o drama de nem sequer terem dinheiro para pagar os medicamentos.
O Estado injecta milhões na banca, essas entidades divinizadas que andaram a enriquecer às custas de milhões de pessoas honestas e as fábricas continuam a fechar e a mandar trabalhadores para a miséria.
Entretanto, pratica-se a caridadezinha para aliviar as consciências e a idolatrar jogadores de futebol que ganham fortunas num mês…

samuel disse...

Pergunto-me qual será o "click" que falta para todas as pessoas que efectivamente têm estado, estão e vão continuar a pagar esta factura, abrirem definitivamente os olhos e dizerem de sua justiça. De preferência, com estrondo...

Abraço