segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Deolinda

Quando me perguntam: Qual o género musical que preferes? A resposta que costumo dar, normalmente, não deixa o interlocutor satisfeito: Não tenho. E assim é na realidade. Não tenho preferência por este, aquele ou aqueloutro género musical, talvez por de música não perceber rigorosamente nada. Gosto de música e pronto! E para gostar basta que a sinta. Gosto quando me predispõe a dançar, gosto quando me convida à reflexão, gosto quando me faz sorrir e, por vezes chorar, gosto quando a melodia e as palavras me provocam arrepios na alma. Gosto! É assim como a paixão que tem razões que a razão desconhece. A fruição da música é, em mim, um acto pouco racional… é instintivo, animal, primário. Gosto, ou não gosto, independentemente do género musical. Gosto do hip-hop do Valete mas não gosto do liricismo do Pac-man, vá-se lá saber porquê e eu… não quero saber. E, por favor, não me tentem explicar. Vivo bem com os meus instintos e com as minhas músicas.
Gosto dos Deolinda! Sim, esses em que agora todos desancam por causa de uma parvoíce. Todos não, claro! Eu não. E, como eu mais alguns cidadãos que não pertencendo ao clube de fãs lhes reconhece valor e… simplesmente gostam. Mas a verdade é que pegou moda, Ele são ilustres cronistas, ele são bloguers de referência, ele são os intelectuais, ele são qualquer coisa e, em comum uniram-se para criticar desbragadamente a Ana Bacalhau e os músicos que dão corpo ao projecto musical conhecido por – Deolinda.
Não tinha dado conta de tanta opinião negativa sobre os Deolinda, por distracção ou pelo nevoeiro, até à divulgação do tema que dá pelo nome: “Parva que sou”.
Antes dos espectáculos dos Coliseus do Porto e Lisboa, onde foi divulgada a canção da controvérsia, os Deolinda faziam o seu percurso como qualquer outro grupo musical, ou seja, com os incondicionais fãs, com os que gostam de forma desprendida, com os que não gostam e com os que simplesmente desconhecem a sua existência. Tudo na Santa Paz do Senhor!
Mas não é que os Deolinda atreveram-se - são uns pretensiosos - a incluir no reportório uma alegada canção de protesto que fala: de precariedade laboral, sem o dizer; de baixos salários, sem o referir; de futuro adiado e vidas por construir, sem apelar à insurgência… é mais como uma espécie de constatação que termina assim: “que mundo tão parvo, onde para ser escravo é preciso estudar”. Este é o pecado original dos Deolinda que uniu várias personalidades num coro de críticas e protestos.
Quero deixar claro o meu desacordo com a afirmação que induz a ideia que para ser escravo seja necessário estudar, não obstante esta divergência, que não é de somenos importância, a canção dos Deolinda não deixa de ser o retrato de uma geração a quem estão a subtrair o sonho e que, naturalmente, fez sucesso no seio de quem ali foi espelhado e incomodou os acólitos dos responsáveis por este “(…) mundo tão parvo”
Para dar sustentação à minha discordância e para finalizar vou apenas citar José Martí: “Ser culto é o único modo de ser livre”, E acrescentar: uma imensa maioria de portugueses, mesmo os que passam pela Universidade, está muito longe de ser livre.
Ponta Delgada, 12 de Fevereiro de 2011

Aníbal C. Pires, In A União, 14 de Fevereiro de 2011, Angra do Heroísmo

3 comentários:

Eu não sou o Jorge! disse...

Maior parte das pessoas que conheço adoram Deolinda, as vozes discordantes são felizmente uma minoria. Acho que além da maldade óbvia e da injustiça desses críticos, há um grave problema que se manifesta: a iliteracia da intelectualidade e dos fazedores de opinião portugueses. Não conseguir interpretar uma simples letra de canção que fala de um problema real tratado de um ponto de vista auto-critico por uma "personagem" que se insurge contra o próprio estado em que vive. Não perceber o realismo ficcional da canção e a legitimidade de alguém ter o direito ao desespero. Estão a perder uma coisa importante, trata-se de uma canção, não é uma peça jornalística nem um panfleto político. Não é para as pessoas estarem de acordo ou não. É assim que é. O desabafo da "personagem" é legitimo e de direito. Se eu vivesse essa situação talvez cantasse o mesmo. Talvez, porque não sei como reagiria, mas respeito. E uma das coisas mais importantes da canção é o respeito que aquela "pessoa" tem por si própria. Sabemos que saiu transformada da canção e que não vai ficar de braços cruzados. É esse o poder da música. É por isso que cada vez mais vejo pessoas a admirar e respeitar o grupo. (In)felizmente eles tocaram num ponto sensível da sociedade e há gente que acusa o toque. Eles não têm que justificar nada, são artistas e têm de ser assim, mostrar as coisas com o seu olhar e inteligência. São precisos e preciosos, mais do que alguns políticos e comentadores...

Aníbal C. Pires disse...

Nem mais meu caro!

JoZé disse...

Eu gosto muito dos Deolinda. Acho que são uma excelente lufada de ar fresco na música portuguesa, tão carente de valores, daqueles profundos que nos vão na alma.

Contudo, a canção em causa, como música de intervenção, parece-me num tom demasiado resignado. Diria que é a canção errada no momento certo. Preferia uma letra que provocasse diretamente e não um hino de resignados.

Vejo esta letra, acima de tudo, como uma crítica em tom irónico aos parvos. Preferia uma crítica dirigida a quem contribui(u) para esta geração de gente aparvalhada.

Mas, a verdade, é que a geração parva (não gosto do termo, mas se há tantos a enfiar a carapuça...) a adotou como hino. Fará, porventura, parte da essência dessa gente uma atitude resignada, em vez de "vir para a rua gritar"! "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer"!

Com letra certa ou não, os Deolinda tiveram a atitude certa!

O êxito alcançado pela canção dos Deolinda demonstra, acima de tudo, a grande pobreza a nível de letras que foi tomando conta do panorama musical português. Aqui deixo algumas imprecisas impressões:
http://exiladonomundo.blogspot.com/2011/02/imprecisas-impressoes-musicais.html