quarta-feira, 29 de junho de 2011

Despertar a curiosidade

A descredibilização da Organização das Nações Unidas (ONU) tem vindo a acentuar-se ao ritmo a que as suas Resoluções são adulteradas, cumpridas e incumpridas. Os jogos políticos de poder e domínio disputam-se no seio da ONU e, como noutros palcos, os Estados Unidos manipulam, vetam, usam e abusam de uma organização que é (devia) ser a referência para o diálogo, para a paz, para o desenvolvimento e para a cooperação entre os povos.
A agressão à Líbia é o mais recente exemplo da adulteração de uma das suas Resoluções, neste caso do Conselho de Segurança da ONU mas, podemos somar a esta muitas outras e todas, as que são cumpridas, as adulteradas e as incumpridas, com um denominador comum: a vontade imposta pelos Estados Unidos; por outro lado a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN, ou NATO) há muito deixou de ser uma organização de carácter defensivo e assumiu um papel ofensivo para garantir, não a paz mas para que os seus aliados possam continuar a aceder a matérias-primas e reservas energéticas situadas em países, hoje soberanos mas que foram antigas colónias das potências europeias, ou em países onde os dirigentes deixaram de ser meros fantoches ao serviço dos Estados Unidos. O paradigma colonial alterou-se e, digamos que a NATO passou a ser o braço armado desta moderna forma de colonialismo global.
Um outro indicador, este não mudou muito apenas se refinou, relaciona-se com a informação e o seu tratamento. As corporações mediáticas tidas como organismos de comunicação social de referência inundam a opinião pública mundial com informação que divulga a visão unilateral e, por isso parcial, dos acontecimentos mas, por vezes vão ainda mais longe omitindo factos e manipulando a informação construindo as notícias em função de um objectivo preciso.
O desinvestimento na educação ou se preferirmos a aposta na estupidificação da generalidade da população mundial é um importante elemento de domínio dos cidadãos e dos povos que contribui para a facilitação da uniformização do pensamento, dos hábitos, comportamentos e do consumo.
Outro importante factor de instabilidade para as economias é a dependência generalizada do sistema financeiro internacional, há algumas excepções, e, onde as há a permeabilidade à crise é muito menor. Sistema financeiro internacional onde o dólar é moeda de referência mundial mas, cujo valor intrínseco é nulo por não ter sustentação real, ou melhor o valor do dólar reside no facto do petróleo só poder ser transaccionado na moeda estado-unidense. Basta pensar um pouco para perceber o que aconteceria ao dólar se abrissem novas bolsas de venda de petróleo onde a moeda para a transacção fosse, por exemplo, o euro. Seria o colapso da moeda e da economia dos Estados Unidos.
Estes são apenas alguns exemplos que podem explicar grande parte dos conflitos bélicos que deflagraram nas últimas décadas. Hoje trouxe aqui apenas uma abordagem superficial e esquematizada e alguns temas, abordagem que pretende, antes de mais, despertar a curiosidade e quiçá o aprofundamento do conhecimento por parte dos leitores. A ONU, a NATO, a Educação, a Comunicação Social e o Sistema Financeiro ao serviço de quem?
Ponta Delgada, 28 de Junho de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 29 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo 

terça-feira, 28 de junho de 2011

A Resolução da ONU sobre a Líbia

A minha simpatia por Muamar Kadafi situa-se ao nível da predilecção que nutro por Berlusconi, Sarkozy, David Cameron, ou Angela Merkel, isto é: não simpatizo. Não simpatizo nem com as personalidades, nem simpatizo com as políticas que estes líderes europeus protagonizam, nem com as políticas de Barack Obama, líder dos líderes. 
Esta reflexão não tem, por isso, nenhuma relação com uma eventual simpatia por Kadafi, aliás muitas das reflexões independentes que se produzem sobre a situação Líbia diabolizam o Coronel, aspecto que também não me interessa sobremaneira. Interessa-me, isso sim perceber porque é que o povo líbio apoia Kadafi, é que a não ser assim a poderosa NATO já tinha conseguido o seu objectivo e o facto é que desde 19 de Março de 2011 os bombardeamentos não cessam, nem os rebeldes obtiveram sucesso, o que só pode resultar, quer se goste quer não, do apoio popular da maioria dos líbios a Muamar Kadafi.
Recapitulemos, na sequência das revoltas populares que se verificaram na Tunísia, no Egipto, no Bahrein, no Iémen, na Síria, também na Líbia houve manifestações exigindo mudanças. Se bem me lembro na Líbia, ao invés de outras situações, as manifestações surgem em cidades secundárias e os manifestantes aparecem, desde logo, armados.
A 8 de Março os ministros de Defesa da NATO reuniram-se em Bruxelas para estudarem uma eventual intervenção na Líbia, no dia 17 de Março é aprovada, com a abstenção da Rússia, China, Alemanha, Índia e Brasil, a Resolução 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A Resolução, proposta pela França, Líbano e Reino Unido, exige o cessar-fogo, o diálogo entre as partes e a exclusão aérea, ou seja, estabelecimento de interdição de voos excepto para benefício da população. A 19 de Março os EUA, o Reino Unido e a França iniciaram os ataques à Líbia supostamente para darem cumprimento à Resolução da ONU, mais tarde a NATO assumiu o comando das operações.
Que a posição dos EUA e da EU foi diferente na Líbia do que noutros países como o Bahrein e o Iémen é uma evidência, ninguém tem dúvidas. Porquê esta dualidade de critérios?
A Líbia era um país próspero com o maior rendimento “per capita” de toda a África e com o maior Índice de Desenvolvimento Humano daquele continente. A escolaridade era plena e a esperança de vida situava-se nos 75 anos, saúde universal e gratuita, pleno emprego e, ainda assim acolhia 1 milhão e meio de imigrantes egípcios e 800 mil imigrantes tunisinos mas, se isto não fosse suficiente a Líbia tem, para além de grandes reservas petrolíferas, um sistema financeiro autónomo ancorado em toneladas de ouro. À semelhança da Líbia também o Iraque, a Somália, o Libano, a Síria, o Sudão e o Irão têm ou tinham sistemas financeiros independentes do sistema financeiro internacional não necessitando, por isso, de intervenções do Banco de Compensações Internacional.
A guerra do Iraque foi justificada com uma monstruosa mentira internacional mas sabe-se, há muito, que foi o domínio geoestratégico daquela zona que esteve na sua origem, aliás a ameaça de Saddam Hussein de transaccionar petróleo em euros, ameaça que algumas fontes de informação dão como tendo sido concretizada, ainda que em pequena escala, terá sido o alerta vermelho para apressar a intervenção militar no Iraque. Sabe-se também que Muamar Kadafi tentou libertar o continente africano da dependência do sistema financeiro internacional com a criação de uma moeda e um sistema financeiro próprios.
A par destas evidências juntam-se os testemunhos internacionais que desmentem as notícias oficiais veiculadas pela comunicação social dita de referência. Segundo a ex-ministra argelina Saida Benhabiles a cidade Bengazi é controlada por terroristas e pelos serviços secretos da NATO, em Bengazi há mais bandeiras francesas que líbias. Na Líbia assiste-se ao massacre de um povo perpetrado por mercenários a soldo das potências ocidentais.
Como ainda reconheço alguma validade às Resoluções da ONU há um facto que é indesmentível: a acção da França, do Reino Unido e dos EUA e, posteriormente, da NATO é ilegítima. A Resolução do Conselho de Segurança apenas dá cobertura legal à exclusão do espaço aéreo líbio e isso foi garantido nos primeiros dias após 19 de Março de 2011. Assim só posso concluir que estão, como fizeram no caso do Iraque, a mentir à opinião pública mundial.
Ponta Delgada, 27 de Junho de 2011

Aníbal C. Pires, In A União, 28 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo 

domingo, 26 de junho de 2011

Audrey Tautou

Quem não se lembra de Amelie.
O filme e a banda sonora cujo autor é um músico que dá pelo nome de Yann Tiersen e que aconselho a conhecer. Ontem no meu mural do Facebook divulguei vários temas.

A imagem que se junta destina-se prestar um tributo à actriz que deu corpo e alma a Amelie - Audrey Tautou

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Nobre carácter este

O PSD cumpriu o acordado com Fernando Nobre e submeteu a sua candidatura a Presidente da Assembleia da República. Tenho de reconhecer que foi uma atitude corajosa de Passos Coelho prevendo-se, digo eu, como se previa que esta candidatura não tinha condições para vingar, desde logo porque o CDS/PP não a apoiou mas, sobretudo porque no PSD sempre há gente com carácter e não se verga à falta de carácter de Nobre, “O independente”. Corajosa atitude de Passos Coelho porque prevendo-se que a candidatura dificilmente teria viabilidade, em teoria havia sempre a possibilidade de que alguns votos tresmalhados pudessem colocar Fernando Nobre na Presidência da Assembleia da República.
Dirão alguns analistas e politólogos que este é o primeiro revés de Passos Coelho e do PSD, eu diria que não, não foi um revés, direi mesmo que foi, assim como uma espécie de alívio para líder do PSD, ou mesmo, quiçá, uma vitória. Vitória ocasional, ou não mas foi uma vitória e quanto à casualidade do facto ficam as minhas dúvidas. Bem! Isto é a minha tendência para a teoria da conspiração a emergir, apenas isso, porque em abono da verdade não estou a ver Passos Coelho a “tramar” Fernando Nobre, nem seria possível, em bom rigor, controlar milimetricamente o voto dos deputados do PSD e muito menos os votos de outros partidos como o PS onde, certamente, haverá alguns admiradores do Presidente da AMI.
Colocar como segunda figura do Estado uma personalidade como Fernando Nobre, isso sim, constituir-se-ia como um erro e, a prazo numa derrota para a liderança do PSD, aliás o CDS/PP e o seu líder cedo se aperceberam e cedo se demarcaram, saindo deste imbróglio, aliás com tem sido seu timbre noutras situações igualmente complexas, sem beliscaduras que coloquem a sua estratégia “política” em causa.
Fernando Nobre enquanto candidato à Presidência da República iludiu mais de meio milhão de portugueses com o discurso anti-sistema, como tem vindo ao longo da sua vida a iludir um número substancialmente maior de concidadãos com o perfil do humanista que sacrificando uma carreira se entregou a uma nobre causa, a causa em si mesmo até poderá ser nobre o mesmo não se poderá dizer do nobre Fernando a quem, passados alguns meses sobre as presidenciais caiu a máscara e ao primeiro aceno do “sistema” a ele aderiu de corpo e alma, como se comprova com as sucessivas incongruências com que tem brindado o país. Julgo que não sonhei e não estou afectado por nenhum psicotrópico mas tanto quanto me lembro, e não presto muita atenção aos delírios de tão triste figura, terá sido o próprio Fernando Nobre que afirmou: “Se, seja por que razão for, eu não puder ser nomeado presidente da Assembleia, renuncio imediatamente ao mandato de deputado”. Fui confirmar a afirmação é do próprio. (Expresso, 16 de Abril de 2011)
Continuo bem desperto, só estou a consumir água e leio no site do DN: "Analisados os resultados das duas votações em plenário para a eleição de presidente da Assembleia da República, entendo não reunir as condições para me submeter a uma terceira votação. Continuarei a exercer as funções de deputado enquanto entender que a minha participação é útil ao país. (…)”, excerto da conferência de imprensa de Fernando Nobre ao fim da tarde do dia 20 de Junho, após a realização da segunda volta para a eleição do Presidente da Assembleia da República.
Sem mais palavras que não sejam as que dão título a esta reflexão: Nobre carácter este!
Horta, 20 de Junho de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 22 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo

terça-feira, 21 de junho de 2011

Engenharia do produto

Os produtos têm um ciclo de vida mais ou menos curto em função da sua qualidade e utilidade. Alguns produtos extinguem-se naturalmente por se esgotar a necessidade que lhes esteve na origem, outros sofrem alterações de função e de forma e iniciam um novo ciclo adequado a novas - reais ou criadas - necessidades, outros ainda mantêm-se inalteráveis e o seu ciclo de vida perpetua-se sem variações de monta, como por exemplo a “Coca-Cola”, não considerando as versões “light” e “zero”. Este refrigerante cujo consumo está globalizado mantém as suas características de origem e até mesmo a embalagem, embora tenha havido algumas variações o design da garrafa continua a ser uma das imagens da marca. O segredo do sucesso deste produto reside, no essencial, no apelativo marketing que permanentemente nos impele a consumi-lo mesmo tendo consciência de que pouco mais estamos a beber do que água, ainda que gaseificada e açucarada com uma dose adequada de cafeína e outros aditivos que o organismo humano dispensa.
O governo saído das eleições de 5 de Junho foi apresentado aos portugueses como sendo um novo governo. De facto temos um novo primeiro-ministro e se atendermos a que nenhum dos actuais ministros transitou do anterior, não há dúvidas que temos um governo novinho em folha e até mais pequeno que o anterior, como convém em tempo de crise das finanças públicas. O novo governo irá crescer com o tempo e com as necessidades de satisfação da clientela mas isso será uma outra estória.
Não há dúvida o governo da República sofreu alterações na sua orgânica e mudou radicalmente de protagonistas. Se isto é importante para o país!? Sim, talvez seja mas não tanto quanto se tem feito querer aos portugueses e muito menos do que seria desejável para o nosso futuro colectivo.
Posso até concordar, sem nenhum esforço, que era um imperativo nacional dar um empurrão a José Sócrates, não só pelo projecto político que ele protagonizou, mas também, e quiçá para alguns cidadãos este fosse o maior motivo, pelas suas patológicas intrujices.
Temos agora um novo governo assente numa confortável maioria parlamentar do PSD e do CDS/PP, sem dúvida. Mas e quanto ao projecto político que este novel governo transporta consigo, Será que também é novo? Tenho dúvidas, muitas dúvidas sobre a novidade do projecto político e das transformações sociais e económicas que possam vir a ocorrer em Portugal no curto e médio prazo. Temos um governo com uma novíssima roupagem mas com uma agenda política velha, como velhas são as receitas do FMI, ou seja, ao novo “produto” foi incorporado uma nova embalagem e um ou outro aditivo, assim como se fosse água mineral mas, agora com sabores variados e uma nova e estilizada aparência, todavia não deixa de ser, na sua essência, água mineral.
Diria que as políticas nacionais que nos conduziram até aqui sofrem ciclicamente uma intervenção dos “engenheiros do produto”. O PS com José Sócrates no principal papel cumpriu o que lhe estava destinado e, enquanto “produto” político ao serviço do capital financeiro, entrou em declínio. Segue-se um novo governo e o mesmo e velho projecto político que tem como efeitos conhecidos o aumento da pobreza, do desemprego, das desigualdades sociais, a continuação da destruição da já fragilizada economia nacional e de transformação do Estado num mero cobrador de impostos.
A mudança ficou-se, uma vez mais, pela embalagem.
Horta, 19 de Junho de 2011

Aníbal C. Pires, In A União, 21 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo 

segunda-feira, 20 de junho de 2011

No mínimo... interessante



Mão amiga conduziu-me à descoberta desta novidade - "A Banda Mais Bonita da Cidade". Gostei e achei o projecto de produção no mínimo interessante.

sábado, 18 de junho de 2011

Uma sugestão musical vinda do Mali

O blogue do Vítor Dias está sempre recheado de bons conteúdos. Através dele tenho partido à descoberta de sonoridades e vozes diferentes. A música é apenas um dos aspectos pelo qual recomendo a visita regular ao "Tempo das Cerejas".
Para este sábado ele recomenda Fantoumata Diawara, cantora do Mali.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Fundamentalismos

A propósito do que muito se disse e escreveu acerca da posição que tomei sobre a inclusão de uma Tourada à Corda no programa oficial do Dia dos Açores, que este ano se realizou na ilha Terceira, e sobre a qual se tentou lançar uma acintosa mistificação importa, por isso, esclarecer com clareza e rigor o que penso, desde logo, sobre as touradas à corda e depois sobre a inclusão de uma tourada à corda no Dia da Região.
Poderia dissertar sobre o assunto aduzindo novos argumentos aos que estão registados para memória futura e se encontram disponíveis para todos os cidadãos, porém, abstenho-me de o fazer porque considero ser suficiente relembrar o que já disse e escrevi sobre o assunto. Assim, e sobre o que penso sobre as touradas à corda, vou apenas transcrever um excerto da intervenção que proferi durante o debate realizado na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, em 2009, à volta de uma proposta de Decreto Legislativo Regional cujo objecto se relacionava com a “Sorte de Varas”.
(…) Por isso, aqui nos Açores, valorizamos sobretudo a apropriação popular da festa brava que é, incontestavelmente, a tourada à corda.
Foi nessa prática que o povo açoriano encontrou a liberdade de viver a festa dos touros à sua maneira, sem imposições e sem importações, demonstrando, na pureza e carinho com que soube manter esta tradição, o profundo significado desta festa.
Porque é neste costume, não noutro, que residem porções substanciais e significativas da nossa identidade e da forma como nos relacionamos com o nosso meio, mormente com os animais.
E a natureza da tourada à corda, uma das festas que melhor definem a profundidade da alma açoriana, é o facto de respeitar o animal, de o acarinhar e, diria mesmo de se colocarem o homem e o touro em plano de igualdade, naquele toca e foge de emoções e alegria, que move a população em peregrinação de freguesia em freguesia, de tourada em tourada.
A tourada à corda é um momento genuíno de alegre e inclusiva simplicidade, tão característico das nossas tradições e cultura, de entre as quais as Festas do Divino Espírito Santo pela sua universalidade no mundo açoriano são paradigma. (…)
O que atrás ficou dito é a opinião que tinha sobre as touradas à corda, posição que se mantém até hoje inalterada e que não contradiz, em minha opinião, a posição que recentemente tomei manifestando discordância sobre a inclusão de uma tourada à corda nas comemorações oficiais do Dia da Região porque, embora entendendo a forma como as touradas à corda fazem parte do legado cultural de algumas das nossas ilhas, a sua natureza não consensual torna inadequada a sua inclusão num momento onde se pretende representar e celebrar toda a Região.
Quanto a extremismos e fundamentalismos, Estamos esclarecidos!
Angra do Heroísmo, 14 de Junho de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 15 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo 

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Fernando Pessoa - 123 anos

Passam hoje 123 anos sobre o nascimento de Fernando Pessoa. Fica aqui um pequeno tributo com um dos seus poemas.


"Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu"

Fernando Pessoa

A eléctrica regional

O sector eléctrico regional sofreu, ao longo das últimas décadas, um profundo e bem-vindo processo de modernização. A criação da EDA, em 1980, e a subsequente integração dos sistemas de produção e distribuição eléctrica nos Açores, que se completa em 1994, com a inclusão das ilhas do Grupo Ocidental, tornaram-se datas marcantes da história açoriana, pela importância que estas infra-estruturas e o sector têm para o desenvolvimento das nossas ilhas.
A opção pela gestão pública e o consensual entendimento que existe sobre as questões que se relacionam com este sector, enquanto serviço público essencial, tornaram a EDA, mau grado a privatização de parte do seu capital e o apetite que recai sobre o seu capital público, uma empresa de sucesso e dotaram os Açores de um sistema de produção e distribuição de energia eléctrica moderno e eficaz. Ao sucesso empresarial da EDA estão directamente associados os seus trabalhadores pois sem a sua disponibilidade e profissionalismo nada disto teria sido possível.
A aposta estratégica nas energias renováveis para a produção de electricidade reduzindo a dependência dos combustíveis fosseis, representa um outro factor positivo que não posso, nem quero deixar de relevar. Por isso, creio que este sector deve merecer uma redobrada atenção por parte dos poderes públicos e deve ser acarinhada por todos os açorianos, todavia, alguns acontecimentos recentes levantam algumas preocupações porque o sucesso e a eficácia não podem ser comprometidos por opções erradas e visões inadequadas ou, nomeações de conveniência.
Preocupação, desde logo, sobre o subsector das energias renováveis e, no caso específico, sobre o desenvolvimento do projecto da geotermia na ilha Terceira e noutras ilhas onde existe potencial geotérmico que a fazer fé no que o Secretário Regional do Ambiente e do Mar respondeu, quando por mim foi questionado na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), não estará em perigo e que irá ter continuidade. Assim espero a bem, desde logo, da ilha Terceira, mas também a Região que só tem a beneficiar com a crescente redução da dependência dos combustíveis fosseis na produção de energia eléctrica. O ambiente agradece e a economia regional só tem a ganhar com o sucesso desta caminhada. E o desfecho, a prazo, só pode ser a redução do elevado tarifário para os consumidores e as empresas, porque até aqui só os accionistas têm beneficiado. E é bom lembrar que quase 50% do capital é já do domínio privado que está concentrado, no essencial, no Grupo Bensaúde.
Mas pairam sobre a EDA outras ameaças. A sua total privatização e, mais recentemente, a nomeação de um novo Conselho de Administração ao qual preside o anterior Secretário Regional da Economia, o Professor Duarte Ponte.
O novo Presidente do Conselho de Administração da EDA não é, propriamente um boy do PS mas lá tem agora a sua compensação, assim como uma espécie de reforma dourada pelo serviço prestado. Serviço prestado, não à Região, não ao interesse público mas ao PS Açores e aos grupos económicos que as suas opções políticas, ao longo dos seus mandatos, foram beneficiando.
A escolha do Professor Duarte Ponte que foi um dos mais contestados e inábeis governantes de que há memória, deixando múltiplos imbróglios que o actual Secretário da Economia bem tenta resolver, como ainda não há muito tempo desrespeitou acintosamente a ALRAA, recusando-se a ser ouvido numa Comissão Parlamentar de Inquérito cujo mandato se relacionava com a construção dos famigerados navios “Anticiclone” e “Atlântida”.
Cá estarei para avaliar as consequências desta nomeação porque, se Duarte Ponte tiver na EDA a mesma prestação que teve na Secretaria Regional da Economia, há razões para estar preocupado. Muito, mas mesmo muito preocupado com o futuro da eléctrica regional.
Horta, 09 de Junho de 2011

Aníbal C. Pires, In A União, 13 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo

domingo, 12 de junho de 2011

Ilha

Deitada és uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente


promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente


Deitada és uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro
ou se te mostro só que me inebrias


Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias

David Mourão-Ferreira

Urgentemente

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.


É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.


É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.


Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade

sábado, 11 de junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Uma “mãozinha” à democracia

Diz-se: “Portugal virou à direita!” Não acho. As eleições de 5 de Junho não alteraram o rumo político do país, continuamos como estamos há muito: à direita.
Os resultados eleitorais apenas nos dão conta da já esperada mudança de protagonista. A dúvida, se é que havia alguma, era saber se o protagonista tinha de dividir as pastas ministeriais com aquele senhor que conseguiu passar incólume de responsabilidades e sobre o qual parece haver assim, como uma espécie de amnésia colectiva sobre os efeitos das suas efémeras passagens pelo poder.
A surpresa - Sim, acabei por ser surpreendido! -, foi a elevada abstenção com que os eleitores uma vez mais brindaram o seu país e, se é certo que também corresponde a uma manifestação de vontade ou até, com algum esforço e compreensão, a uma atitude política, a verdade é que face à grave situação de crise que Portugal está a viver esperava mais participação dos cidadãos.
Era um desejo meu, certamente que sim e, por se constituir como uma ambição minha que não vi concretizada, talvez por isso, surpreendeu-me uma vez mais esta demissão do povo português.
Passados que são mais de 24 horas sobre os resultados eleitorais e depois de os digerir calmamente procuro entender todos os indicadores que deles resultam.
O que mais me preocupa, talvez porque tenha criado uma falsa expectativa, é o aumento da abstenção quando tudo levava a crer que este perverso fenómeno enquistado na democracia portuguesa iria diminuir. A expectativa foi construída com o que fui ouvindo na rua durante a campanha eleitoral e com os movimentos de apelo à participação eleitoral que proliferaram nas redes sociais.
Sendo certo que estes são indicadores carregados de subjectividade e que o descrédito e o desânimo também se verificavam em doses maciças, ainda assim, algo era distinto de outros momentos pré-eleitorais e tudo levava a crer que desta vez seria diferente no que à abstenção diz respeito, porque quanto aos resultados eleitorais a minha previsão, não andava muito longe do que na realidade veio a acontecer, o que não é de todo coincidente com o que eu gostaria que tivesse acontecido. Mas essa ambição num resultado eleitoral de ruptura, que mantenho por inteiro, essa ambição, dizia, tinha eu consciência que não era atingível neste contexto político, social e económico. O mesmo não direi, como já disse, da minha expectativa num esperado aumento da ida às urnas.
E sou levado a dizer que sim. Estou convictamente convencido que houve muitos novos eleitores, poderá ser apenas mais uma representação, mas só assim é possível compreender os resultados eleitorais obtidos pelos diferentes partidos e coligações que se submeteram a sufrágio.
Tenho cá para mim que a abstenção desta vez poderia ter diminuído, não fora o facto de tradicionais e convictos eleitores terem penalizado o(s) partido(s) a quem habitualmente dão apoio eleitoral abstendo-se, ao invés de terem procurado alternativas de voto e de projectos políticos.
A abstenção responsabiliza os agentes políticos mas não deixa de ser, em si mesma, um acto de profunda irresponsabilidade individual que penaliza a vida colectiva. Mas se a abstenção é da responsabilidade dos agentes políticos e da inércia dos cidadãos, não deixa de haver outros factores, nada despicientes, que contribuem para a acomodação dos eleitores e alguns deles são: a construção mediática da bipolarização; a antecipação mediática dos resultados; e, no contexto actual, a ingerência externa que condicionou a vontade e a consciência dos cidadãos e levou a que muitos eleitores tivessem optado por não ir votar.
As vozes a favor do voto obrigatório vão de novo levantar-se para dar uma “mãozinha” à democracia. Não sou adepto de tal medida e julgo que se a democracia funcionar sem alguns destes perversos condicionantes não precisa, neste nem noutros casos, de “mãozinhas” para funcionar como um poder, verdadeiramente, popular.
Horta, 06 de Junho de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 08 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Reflexão pós eleitoral



Discurso de Tommy Douglas proferido em 1945 mas de uma actualidade lancinante.

Partir e chegar

Foto - Aníbal C. Pires
O cais da partida e do almejado regresso transmutou-se. A tristeza dos que ficam, a saudade que já germina nos que partem, não muda nunca. Não muda ainda que esse seja um secular fado do povo português: abalar, já a magicar no retorno.
Da baía abrigada do porto para a aerogare. Dos intermináveis dias de viagem para umas fugidias horas, da pedrinha escrita no cais para o sms, da carta escrita para o mail, do telefone fixo, ou móvel, para o skype.
Conquistas da ciência e da técnica que afagam os sentimentos e dão a sensação de proximidade mas que não evitam, na hora da partida, aquele aperto no peito, os dentes cerrados tentando impedir uma lágrima que teima em assomar e rolar pela face e, o sentimento de vazio que, ao último beijo, ao derradeiro aceno, enche a alma de tristeza de quem fica, de quem parte.
Há coisas que as maravilhas da ciência e da técnica não vão mudar nunca. Entre a partida e o regresso fica a ausência e, isso, não se altera. Não há avanço tecnológico que preencha o roubo da presença de quem amamos, ainda que o regresso esteja seguro e a ausência seja curta.
Temos sempre alguém por fora… alguém embarcado e não há como habituar-nos. Nem mesmo o tempo, que é cura para todos os males, remedeia a saudade. Saudade que nem sempre é tristeza, mas é sempre, sempre, um vazio e o refúgio que alimenta a esperança da alegria do regresso, ainda que apenas te tenha deixado ontem no cais da partida. No mesmo embarcadouro de onde vistes partir os teus filhos quando tomaram asas e voaram do ninho, naquele cais da saudade onde nos recebes de sorriso aberto, mas com uma lágrima a espreitar antecipando uma nova partida.
Não há como mudar a dor da hora da abalada, não há como mudar o sentimento de vazio que a ausência desperta, não há como abafar esta saudade. Saudade tão própria dos ilhéus, saudade tão própria dos portugueses. Não há como mudar os sentimentos de um povo marcado pela partida da qual nem sempre há regresso e a saudade perpetua-se, a saudade canta-se no choro triste da morna, do fado, da saudade.
Há coisas que não mudam nunca, outras há, porém que se podem alterar. Só depende de nós!
Horta, 02 de Junho de 2011

Aníbal C. Pires, In A União, 06 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo

sábado, 4 de junho de 2011

Dia de reflexão 2



Julgo não ser necessário acrescentar palavras às palavras de Brecht.

Dia de reflexão 1



Para todos os que vivem do seu trabalho e são vítimas de uma política de baixos salários e precariedade.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A troika televisiva


Já não há quem possa aturar tamanho pluralismo nas televisões nacionais. Depois da troika mandante (FMI, BCE e UE, a troika obediente (PS, PSD e CDS/PP) e obedientemente as TVs nacionais estão a revelar-se como uma intragável troika (RTP 1, SIC e TVI).

Imagens de campanha - 3

Jantar de apoiantes da CDU na Sociedade Recreativa Pasteleirense, Horta, ilha do Faial, 01 de Junho de 2011






Do lado de cá - 4

De novo no Faial reportando os repórteres como já aconteceu aqui, aqui e aqui.






quarta-feira, 1 de junho de 2011

Subservientes e comprometidos

Na recta final da campanha eleitoral e a fazer fé nas sondagens publicadas diariamente, os eleitores dão conta de uma intenção que aponta para o chamado “empate técnico” entre o PS e o PSD e a subidas e descidas mais ou menos significativas, conforme o interesse do momento, dos partidos com assento parlamentar. Mais do que a informação veiculada por estes estudos e que serve aos partidos, sem outro projecto que não seja o poder pelo poder, para ajustarem a cada momento o discurso eleitoral procurando inverter a tendência do dia anterior, importa perceber o efeito que a divulgação das sondagens tem na construção da opção de voto que nas urnas vai ditar a nova composição da Assembleia da República.
Este último aspecto sendo, teoricamente uma espécie de subproduto das sondagens não deixa de ser aquele que melhor conforma o objecto da manipulação da opinião pública, fim último e inconfessado destes estudos de opinião.
A quem serve o “empate técnico”!? Aos empatados, desde logo, pois as “hostes” tendem a mobilizar-se e a concentrar votos para desfazer o “empate” e, assim, proporcionar a vitória clara a um dos “favoritos”, mas não só. Este cenário serve no essencial a visão alternante, bipolar e imobilista de quem aposta na continuidade e na subserviência para aprofundar a ofensiva de retrocesso civilizacional a que temos assistido nas últimas décadas.
Aos oligopólios económicos e financeiros pouco importa quem sejam os protagonistas desde que cada um deles esteja comprometido. E no actual contexto, não só o PSD e o PS estão dispostos e empenhados como se alargou o compromisso de subserviência, também conhecido por “memorando de entendimento”, ao CDS/PP não vá o povo português ter algum devaneio e baralhar os cenários eleitorais expectáveis que as sondagens têm enfatizado, aliás o CDS/PP tem-se prestado a esse papel ora ao lado do PS ora ao lado do PSD.
Portugal não se esgota no dia 5 de Junho mas nesse dia, dia em que o poder é devolvido ao povo ou a opção maioritária dos portugueses dá um explicito sinal de que quer trilhar o caminho da soberania e independência nacional penalizando eleitoralmente os partidos que têm vendido o país ou, não o fazendo adia a necessária ruptura com projectos políticos apátridas que nada mais têm para oferecer do que o crescimento do desemprego, as injustiças sociais e a recessão económica.
Quando afirmo que esse será o caminho por onde nos conduzirá um qualquer governo do PS ou do PSD, com ou sem a muleta do CDS/PP, não o faço gratuitamente, a afirmação está devidamente fundamentada no “memorando de entendimento” que estes 3 partidos subscreveram com a troika – FMI, BCE e UE –, e que não é mais nem menos do que o programa eleitoral e de governo a que estão obrigados por esta ingerência externa a que Portugal e os portugueses foram submetidos com a cumplicidade de José Sócrates, Passos Coelho e Paulo Portas.
Outros momentos da História de Portugal houve em que as elites traíram o seu povo, outros tantos momentos da História de Portugal houve em que o povo português soube penalizar os traidores e retomar, livre de amarras, o rumo da liberdade e da universalidade.
Ponta Delgada, 30 de Maio de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 01 de Junho de 2011, Angra do Heroísmo