quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

tempo para refletir e ponderar

do arquivo pessoal

Partilhar opinião em eventos, mais ou menos informais, é sempre uma atitude de exposição que requere alguma coragem, em particular se temos consciência de que a nossa apreciação, mesmo informada e fundamentada, contraria o pensamento dominante construído, quase sempre, sobre conjeturas e análises que ignoram os factos e pretendem, mais do que contribuir para o esclarecimento e reflexão, moldar vontades. Sei que o que acabo de afirmar poderá ser facilmente desconstruído, sendo para isso, suficiente utilizar o epíteto, “comuna”. Ah isso é coisa do “comuna”, basta isso para que a maioria desvalorize a opinião que partilho. E não, não é um sintoma esquizofrénico. Os militantes comunistas foram e continuam a ser alvo de preconceito e, por conseguinte, de discriminação. 

Tudo o que fica dito não significa que eu seja imparcial, não sou. E a assunção de que não sou neutro, ou independente, coloca-me de um lado, certo ou errado, não importa. Esta é, também, uma atitude de honestidade intelectual e, sobretudo, de respeito por quem lê.

Os neutros/independentes que pululam por aí estão, como diz “Chico César”, não o deputado eleito, mas o músico brasileiro, do lado dos opressores. Uma afirmação que é, no essencial, verificável, basta para isso atentar aos painéis de comentadores das rádios, televisões e às colunas dos jornais. 

foto by Madalena Pires
Se para partilhar opinião em ambientes circunscritos é necessário, pelos motivos que já referi, alguma coragem, deixá-la vertida neste espaço, ou nas redes sociais, é como dispor-me voluntariamente a caminhar para a ara sacrificial da opinião pública, mas como não tenho medo nem preço, continuarei por aqui, na “Sala de Espera” onde tudo, no contraditório, pode ser dito e tudo deve ser posto em causa. Nem mesmo o grande número de indiferentes, preconceituosos ou não, que quando folheiam o jornal passam por esta página sem ler sequer o primeiro parágrafo, a não ser que o título seja apelativo, pela temática ou pela provocação, nem esses – os indiferentes -, me desmotivam e, muito menos, me desencorajam a desnudar-me perante a opinião pública.

Não é ainda o tempo, nem sei se esse tempo chegará à “Sala de Espera”, de deixar algumas notas e opiniões sobre os resultados eleitorais do passado dia 30 de janeiro. Não gosto de reagir a quente, a não ser por imperativos aos quais não me possa esquivar, prefiro deixar a poeira assentar que é como quem diz: dar tempo a que cada um dos eleitores tome consciência da utilidade da sua opção eleitoral, mas também aos efeitos que resultaram do seu voto. Tenho necessidade de tempo para refletir e ponderar.

foto by Aníbal C. Pires
Ao que parece esta é uma caraterística dos militantes comunistas, digo isto, por me ter sido referido, julgo que no início do ano de 2007 por um destacado membro do Governo Regional da altura, que o problema dos comunistas era pensarem muito. Talvez, mas não tenho dúvidas que essa é uma prática que contribui para a longevidade do PCP e para ultrapassar as dificuldades que no passado e no presente se colocaram e colocam, só assim é possível garantir o futuro. Por outro lado, os jornais, rádios televisões e redes sociais estão a transbordar de opiniões e análises para todos os gostos, a minha seria apenas mais uma a gosto de alguns e vilipendiada por muitos outros. Há, contudo, um aspeto sobre o qual me sinto, para já, em condições de poder tecer uma breve consideração e que decorre da minha maior surpresa da noite eleitoral.
 

A dimensão do crescimento eleitoral do Chega surpreendeu-me. Nunca duvidei que iria crescer, mas jamais com tal proporção. Não é sobre o resultado em si mesmo, mas sobre o seu eleitorado e o que os mais de 385 mil eleitores do Chega terão em comum que me pronuncio. E isto a propósito de ter lido, algures numa dessas análises aos resultados eleitorais, que não se poderiam apelidar de fascistas todos estes eleitores, pois, muitos deles votaram no Chega não por qualquer razão de ordem ideológica, mas por motivos bem mais pragmáticos. Não vou ajuizar sobre esta visão de um conceituado articulista nacional. Mas, é inegável que os eleitores do Chega comungam entre si, cumulativamente ou não, de algumas caraterísticas que me leva a dizer que estes cidadãos são: misóginos, racistas, homofóbicos e negacionistas; ou seja, foram razões desta ordem, as razões do líder, que os motivou a votar. E isto aproxima os eleitores do Chega, independentemente, da sua origem social e económica, da ideologia que tem a designação que se lhes pretende sonegar. O que me parece profundamente injusto para os próprios e perigoso para a democracia.

Ponta Delgada, 8 de fevereiro de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 9 de fevereiro de 2022


3 comentários:

Jude disse...

Muito bom. Análise profunda e objectiva.

Emilio Antunes Rodrigues disse...

Analisar objectivamente é um bom caminho para a compreensão da realidade que nos cerca e uma ferramenta para a ultrapassar.

Aníbal C. Pires disse...

Obrigado pelos comentários.
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