quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A ausência do Estado

As imagens que nos chegam diariamente do Haiti são dramáticas pela dimensão da tragédia que afectou aquele povo das Caraíbas e naturalmente mobilizam a ajuda, o apoio e a solidariedade mundial, mais ou menos activa. Ninguém fica indiferente a tanta morte, a tanta dor, a tanto abandono.
As notícias e imagens trazem consigo a dimensão da desgraça que o terramoto do passado dia 12 produziu. Um número ainda indeterminado de vítimas mas que se cifra em muitas dezenas de milhar, mais de 3 milhões de desalojados, a derrocada das principais infra-estruturas existentes no país e o tardar da ajuda humanitária.
Tudo isto é bem visível e referenciado pelos jornalistas que se deslocaram ao Haiti, contudo, as imagens e os comentários que as acompanham dão visibilidade a uma outra questão, e é inevitável perguntar: O que aconteceu aos serviços do Estado haitiano? Será que tudo ficou destruído? Onde estão as forças de segurança haitianas? As forças armadas? Os serviços sociais? Os serviços de saúde? Onde está o Estado?
Tenho consciência que um cataclismo daquela intensidade provocaria em qualquer parte do Mundo efeitos devastadores, mas convenhamos que é estranho que as estruturas e serviços do Estado haitiano tenham desaparecido completamente nos escombros de Port-au-Prince.
Na procura de uma explicação, para este desaparecimento do Estado haitiano quando o seu povo mais precisava dele, encontro uma única justificação: O Estado haitiano, enquanto conjunto de estruturas e serviços, estava fragilizado e reduzido ao mínimo fruto de uma sucessão de acontecimentos que paulatinamente o foram substituindo por organizações não governamentais e corporações privadas que captavam toda a ajuda internacional ao desenvolvimento e à cooperação, aliás outras situações existem em diferentes latitudes e longitudes e no Haiti, quiçá, terão sido levadas ao extremo. Situações que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no seu relatório de 2005, Cooperação Internacional numa Encruzilhada, identifica e equaciona.
A substituição do Estado por entidades civis com ou sem fins lucrativos é, como sabemos, a tradução do princípio do “menos Estado, melhor Estado”. Princípio enfaticamente defendido pelos teóricos e adeptos da teologia do mercado e que no Haiti, como já referi, terá sido levado ao extremo.
Este modelo esteve, também, na origem da crise que afectou o Mundo desenvolvido e rico, mas quando a crise se instalou então foi um tal “aqui-d’el-rei” que agora precisamos da ajuda do Estado. E os estados foram um pouco por todo o lado assumindo os prejuízos e as falências de empresas e do modelo.
No Haiti o que restava do Estado haitiano ficou soterrado nos escombros do terramoto de 12 de Janeiro de 2010. Os resultados estão aí diária e dramaticamente à vista de todos nós.
Aníbal C. Pires, IN DIÁRIO INSULAR, 20 de Janeiro de 2010, Angra do Heroísmo

1 comentário:

Maria Margarida Silva disse...

Oi, Aníbal!
Ninguém pode ficar insensível a esta tragédia que assolou o Haiti. As imagens que vemos e as que não vemos, mas imaginamos são bem um exemplo disso. Este povo tem sido tão massacrado e explorado ao longo de tantos anos! Com uma economia destroçada e em ruínas, uma renda per capita extremamente baixa, é um dos países mais pobres da América, se não o mais pobre.
No teu texto, colocas diversas questões e todas elas bastante pertinentes:
“O que aconteceu aos serviços do Estado haitiano? Será que tudo ficou destruído? Onde estão as forças de segurança haitianas? As forças armadas? Os serviços sociais? Os serviços de saúde? Onde está o Estado?” Muitas mais poderiam ser levantadas e tu sabes isso muito melhor do que eu.
Em 2002, os EUA embargaram centenas de milhões de dólares de empréstimos ao Haiti que deveriam ter sido utilizados, entre outros projectos públicos como a educação, para estradas. São essas as mesmas estradas que as equipas de salvamento têm tido tanta dificuldade em percorrer actualmente!
Há três dezenas de anos, o Haiti não tinha necessidade de importar arroz. Actualmente, importa-o quase todo. Porquê?
Produzia açúcar de excelente qualidade e, agora, também o importa. Porquê?
Quem tem total responsabilidade nisto tudo? Quem os forçou a tudo isto? Os EUA e as instituições mundiais financeiras dominadas pelos mesmos! Arruinaram a cultura haitiana! Usaram e abusaram deste povo!
Os 100 milhões de dólares, prometidos pelo presidente Obama, são migalhas, confrontados com os milhares de milhões que os EUA lhes devem.

«Sentiríamos frequentemente vergonha das nossas mais belas acções, se o mundo conhecesse todos os motivos que as fundamentaram.» La Rochefoucauld

Beijinhos.
margarida