quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Ontem à tarde

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Aí está. Eis-nos chegados a 2015 e, como sempre, no início de um novo ano estamos cheios de esperança e de boa vontade, com determinação e firmeza para mudar, Mudar hábitos, mudar de vida, mudar o que quer que seja, nem que seja de governo, se bem que o melhor mesmo seria mudar de políticas mas o medo, ai o medo. E não adianta comprar um cão que este medo de mudar, este medo de romper vai levar tempo a ausentar-se e não há cão por mais robusto e agressivo que seja que ajude a afastar este medo que nos consome.
Não me parece que o medo, embora ele esteja presente e condicione, seja grande tema para dissertar neste escrito de princípio de ano. O melhor será mesmo falar de uma qualquer frivolidade. Sempre há quem leia e não maça ninguém. Talvez uma conversa de mesa de esplanada possa interessar, vamos lá então.
Ontem ouvi, enquanto tomava um café na esplanada do bairro, não que estivesse atento ao que se dizia, lá sou homem para isso, mas porque quem falava não circunscreveu a conversa a quem partilhava da sua mesa, falou de modo a que todos os que por ali estavam partilhassem as suas reflexões, e eu como disse, ouvi. 
Ouvi e apreciei o que me foi dado escutar. Como pode alguém não apreciar que a conversa de três jovens adultos se centrasse na importância do turismo sustentável colocando em causa a eventual, mas tão desejada, invasão de turistas que se prevê para este ano e para os que se lhes seguem. Como assim, pensei para comigo, como é que o esperado aumento exponencial de turistas pode colocar em causa a sustentabilidade de um destino turístico. E os três jovens continuavam, a competitividade dos destinos está intimamente relacionada à sustentabilidade e, acrescentavam, o conceito de sustentabilidade é, desde logo ambiental mas, também, social e económico. A sustentabilidade do destino é construída a partir de uma simples constatação do mercado. Os turistas pagam mais caro para conhecer locais menos explorados, menos turísticos, menos massificados, onde as experiências são únicas. E eu cada vez mais estupefacto, não é que os miúdos são bem capazes de ter razão, os Açores valem pela sua singularidade geográfica, ambiental, paisagística e cultural, sendo um destino único a sua massificação pode por em causa a sua mais-valia, pensei eu enquanto continuava a ouvir mas agora atentamente e, com uma incontrolável vontade de colocar algumas questões. Não o fiz, não foi necessário porque as respostas às minhas dúvidas vieram prontas, fundamentadas e esclarecedoras à medida que a conversa na mesa ao lado se desenrolava. Esta tentativa viabilizar o setor do turismo na Região com a sua massificação, tendo como principal âncora as passagens aéreas de baixo custo é um erro que nos vai ficar caro, desde logo porque o setor não está preparado para receber com qualidade que a excelência e singularidade do destino o exigem e, por outro lado à riqueza gerada não irá corresponder um esperado desenvolvimento harmonioso. Não será bem assim, exclamo para com os meus botões. A resposta vem da mesa ao lado, o que vai acontecer é o acentuar das assimetrias de desenvolvimento regional pois o modelo está desenhado para centralizar os fluxos turísticos em S. Miguel, por outro lado e como é sabido as companhias aéreas de baixo custo depois instaladas aprisionam os destinos, ou seja, não havendo obrigações de serviço público o baixo passa a ser elevado, muito elevado.
E pronto, eu que por vezes tenho algumas dúvidas sobre esta geração, fiquei esclarecido quanto ao valor e formação de uma geração em que muitos não depositam grandes expetativas, mas também quanto a algumas dúvidas que subsistem e têm sido objeto de apaixonadas mas superficiais e pouco fundamentadas discussões nas redes sociais. 
Ponta Delgada, 05 de Janeiro de 2015

Aníbal C. Pires, In Diário Insular e Açores 9, 07 de Janeiro de 2015

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