segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Opções ideológicas e privatizações

Foto - Aníbal C. Pires
Os sucessivos Governos da República têm tido apenas uma política e um desígnio para a TAP, Privatizar. Privatizar assim que possível, privatizar por opção ideológica. 
Neste desígnio, como em tantos outros, PS e PSD têm estado unidos. E, apesar das nuances pré-eleitorais do líder do PS, António Costa, a verdade é que a privatização da TAP estava prevista no Memorando da Troika, pacto que foi subscrito, como todos sabem, pelo PS, pelo PSD e pelo CDS/PP. 
Com os seus quase 70 anos de história, a TAP vale muito mais do que a soma do valor da sua frota, rotas e recursos humanos. A TAP Portugal tem um valor dificilmente calculável que vem da qualidade, experiência, esforço e empenhamento dos seus profissionais, altamente qualificados, que a tornaram uma referência de que todos os portugueses se podem orgulhar. A TAP é uma marca imediatamente reconhecível para todo o universo lusófono, que leva o nome de Portugal ao mundo. A TAP sendo uma das grandes empresas portuguesas, a maior exportadora nacional, que emprega diretamente mais de 12 mil pessoas e que contribuiu anualmente com centenas de milhões de Euros para o Orçamento do Estado e da Segurança Social. E falo de uma empresa pública que é lucrativa. Tem dívidas, sim, mas é sustentável e dá lucros. A TAP tem vindo a crescer, em 2013 aumentou 6,6%, o número de passageiros transportados, cresceu mais do que a média europeia. E veja-se só, até dá lucro, em 2013 obteve resultados líquidos de 34 milhões de euros. 
O dogma ideológico do PS, do PSD e do CDS sobre a gestão privada ser sempre e obrigatoriamente mais eficaz do que a gestão pública está morto e enterrado. O BPN, o BES e a PT são alguns dos seus coveiros mais recentes. Também os privados podem gerir mal e, curiosamente, parece que também nesse caso têm de ser os contribuintes a pagar a conta. Nem uma empresa privada é sempre forçosamente bem gerida, nem uma empresa pública é sempre forçosamente mal gerida. As empresas públicas têm tido maus gestores. É verdade, em boa parte dos casos. Mas essa gestão foi sancionada, esses gestores foram nomeados, pelo PS, pelo PSD e pelo CDS. Justamente os mesmos que têm utilizado o argumento da má gestão para defender as privatizações. 
A TAP pode e deve ser bem gerida, dar lucro, crescer, melhorar o seu serviço, tornar-se mais competitiva, reduzir os custos para os passageiros, se houver vontade política, se tivermos o que não temos tido até agora, um Governo que não esteja obsessivamente empenhado em entregá-la ao setor privado.
As regras europeias não impedem que o Estado Português injete capital para permitir o crescimento da companhia, desde que o façam uma única vez a cada 10 anos. E a TAP não recebe qualquer apoio do Estado há 18 anos. Por outro lado os Tratados Europeus, e as regras que deles emanam, não são neutros, longe disso, estão perfeitamente orientados para o favorecimento do sector privado, colocando às empresas públicas dificuldades, obstáculos e limitações que não colocam às empresas privadas. Tem vindo a ser criado nos últimos anos um quadro regulatório do funcionamento das empresas públicas que na prática se destina a impedir que elas possam funcionar. Depois de provocar deliberadamente esses constrangimentos, os governos afirmam a suposta necessidade de as privatizar, invocando como argumentos a “agilidade e flexibilidade de gestão privada”, ou seja, às empresas públicas os regulamentos tudo exigem às empresas privadas tudo se facilita em nome desse conceito abstrato de mercado.
Foto - Aníbal C. Pires
Escudando-se no seu entendimento das «regras da União Europeia», os sucessivos governo têm, ao longo dos anos, financiando todas as concorrentes ao mesmo tempo que recusam financiamentos à TAP. A situação mais escandalosa acontece com as chamadas companhias “low cost” que recebem milhões por via dos “incentivos” à abertura de novas bases, rotas e por passageiro transportado, num valor global absoluto muito mais significativo do que a TAP, e ainda beneficiam de tratamentos privilegiados no que respeita às taxas aeroportuárias e ao handling. Quando se refere “as regras” da União Europeia, ou ainda “as regras” do “mercado”, importa sublinhar que essas regras estão feitas para impor a concentração monopolista e liquidar as empresas nacionais. As regras estão feitas para que as multinacionais possam fazer todo o tipo de exigências e pressões, com o argumento de que só operam no país se tiverem as condições que exigem, enquanto a empresa nacional, que opera no país em que é companhia aérea de bandeira, é gravemente penalizada por outra multinacional (a Vinci) a quem se entregou a gestão aeroportuária.

Ponta Delgada, 18 de Janeiro de 2015

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário e Azores Digital, 19 de Janeiro de 2015

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