quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Botes e violas

Foto - Madalena Pires
O Instituto Histórico da Ilha Terceira está a promover um conjunto de sessões públicas sobre o Regime Jurídico de Proteção e Valorização do Património Móvel e Imóvel, Decreto Legislativo Regional (DLR) aprovado em Dezembro de 2014 e a aguardar promulgação pelo Representante da República.
Na passada segunda-feira, 19 de Janeiro, teve lugar a segunda das três sessões programadas e que contou com a participação de deputados e representantes dos seis partidos com assento parlamentar. Esta reflexão que hoje partilho é parte, necessariamente adaptada, da intervenção que proferi na segunda sessão pública que o Instituto Histórico da Ilha Terceira promoveu.
A discussão pública sobre uma matéria desta importância, designadamente para Angra do Heroísmo, foi praticamente inexistente. É certo que se cumpriram os preceitos regimentais do processo legislativo mas, neste caso como em muitos outros casos, a discussão pública não foi promovida por quem, independentemente, de estatutária e regimentalmente a isso não estar obrigado, ou seja, o Governo Regional. Poder-se-á afirmar, com toda a legitimidade, que esse é um papel que cabe à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), afinal o poder legislativo reside exclusivamente neste órgão de governo próprio, assim é. Mas, em bom rigor a ALRAA não dispõe dos meios nem dos instrumentos, para além dos que utilizou, para promover a discussão pública e muito menos lhe é conferida qualquer capacidade negocial.
E, assim, este diploma foi aprovado, ainda que sem recolher a unanimidade do Parlamento Regional (o PPM, o PCP e o CDS/PP abstiveram-se) mas, como dizia este diploma foi aprovado tendo apenso apenas o parecer da Ordem dos Arquitetos, o que convenhamos é muito pouco para um diploma com esta natureza e implicações. Não envolver organizações e instituições públicas, bem assim como organizações de direito privado afigura-se, para o PCP, como o pecado original deste DLR e motivou a nossa orientação de voto, ou seja, não podia o PCP validar este regime jurídico construído sem o envolvimento dos cidadãos e das organizações e instituições que de uma forma ou outra intervêm na área do património cultural móvel e imóvel.
Se, por um lado, concordo com o conceito que está subjacente às alterações que este DLR vem introduzir, algumas delas decorrentes da adequação e articulação com outros normativos legais, por outro sobejam-nos algumas dúvidas, desde logo, o não envolvimento dos municípios da Região, parceiros imprescindíveis, na construção e execução deste novo quadro legal de proteção e valorização do património móvel e imóvel, mas também pela densificação de regras sem avaliação técnica por parte das entidades interessadas, ficam a título de exemplo os (art.º 20, 27, 28 e 29). A eliminação das regras a que deve obedecer o mobiliário urbano deixa-nos, igualmente, muitas dúvidas. E ainda, sem certezas mas também com reservas, a retirada do âmbito deste diploma os exemplares e conjuntos arbóreos.
Foto retirada daqui
Por fim apenas algumas considerações de ordem geral e avulsa sobre Proteção e Valorização do Património. Não sou um conservacionista apenas pelo valor simbólico do património, seja ele móvel ou imóvel, seja ele material ou imaterial, embora considere que a sua salvaguarda apenas na perspetiva conservacionista assume, em si mesmo, grande relevância e, diria mesmo que relativamente a alguns desses bens a intervenção e salvaguarda, não poderá ir além disso, Preservar e conservar. Defendo uma perspetiva de preservação e conservação do património cultural ligado ao seu uso e fruição pelos cidadãos, diria assim, É possível modernizar e adequar aos nossos tempos sem perder a alma. Dois exemplos de preservação, de valorização e até de recuperação de património cultural regional, sem nenhuma adulteração às suas formas originais, conseguidas e julgo que bem conseguidas, por uso diverso do original num dos casos e, no outro caso mantendo o uso que lhe conferiu valor e dando-lhe novos usos.
Depois do declínio da caça à baleia e da sua total proibição os botes baleeiros, tendo-se-lhe acabado o uso estavam predestinados a serem meras peças estáticas de museus e núcleos museológicos, a assim foi durante um largo período de tempo. Hoje e devido à introdução de um novo uso, as regatas e o turismo, damos conta que muitos deles foram totalmente recuperados e é com agrado que os vemos de velas enfunadas a sulcar o mar das nossas baías. A viola da terra, de arame ou de dois corações nunca tendo estado em perigo de desuso pois as festas populares, os ranchos folclóricos e outras manifestações populares assim o garantiram, todavia verifica-se uma evolução no seu uso, ou seja, continuando a marcar a sua indispensável presença nas festas populares este instrumento musical, sem que tivesse tido nenhuma alteração é hoje ensinado nos conservatórios musicais, procura novas sonoridades, novos instrumentos parceiros, atrai novos aprendizes e novos públicos.

Angra do Heroísmo, 20 de Janeiro de 2015

Aníbal C. Pires, In Diário Insular e Açores 9, 21 de Janeiro de 2015 

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