domingo, 15 de novembro de 2009

O tempo e os lugares

Foto by Aníbal C. Pires
O tempo talvez seja, de todos, o mais precioso bem que a vida nos faculta e, se no princípio o tempo era utilizado quase em exclusivo para satisfazer a mais primária das necessidades básicas: garantir diariamente alimentos; condição necessária para a sobrevivência da espécie e, da qual muitos de nós ainda não se libertaram quer seja no rico Norte, quer seja no pobre Sul. Contudo, hoje no rico e envelhecido Norte mais, muito mais que no pobre e jovem Sul a maioria dos cidadãos está desobrigada do gasto desse tempo mas… sem tempo. À satisfação das necessidades primárias e aos avanços sociais, científicos e tecnológicos não correspondeu uma expectável sobra de tempo, ainda que o prolonguemos com a esperança de vida.
Nas sociedades dos países desenvolvidos o tempo é um bem escasso e esvai-se por entre os cabos de fibra óptica à velocidade da banda larga.
Afinal não ganhámos! Estamos a perder a corrida contra o tempo e sem tempo a perder para ganhar aos velhos e novos reptos humanos se, para isso, ainda tempo houver.
Há por aí, em todas as latitudes e longitudes, lugares onde a celeridade a que o tempo se dissipa assume outras dimensões e a harmonia prevalece sobre o caos organizado e depredador de oportunidades e tempo perdidos.
Esses lugares são como oásis onde, após longa e penosa viagem, recuperamos capacidades inatas mas perdidas na luta contra o tempo. No conforto natural desses lugares os sentidos apuram-se, a vida ganha uma nova grandeza e o tempo corre, sem pressas, ao nosso lado.
Lugares assim não serão o paraíso mas estarão seguramente na sua vizinhança.
Estranho mesmo é que esses lugares estejam em vias de extinção, algumas vezes, por vontade própria de quem os habita e, quase sempre, por quem a momentos os procura para se encontrar com o tempo. Este é, quiçá, o maior dos paradoxos do nosso tempo.

Aníbal C. Pires (S. Miguel, 2017) by Madalena Pires
O absurdo reside num paradigma de desenvolvimento insustentável de que o “Norte” rico não abdica e pelo qual o “Sul” pobre legitimamente anseia. Um modelo de desenvolvimento humano que tem como consequências a coexistência de sociedades onde abunda o desperdício e o supérfluo, paredes-meias, com outras sociedades que não são mais do que os subprodutos sociais e económicos do modelo tido como único.
A contradição constata-se nos receios produzidos pelo crescimento económico da China e da Índia e pelos efeitos que esse desenvolvimento possa causar ao modo de vida dos cidadãos dos países que tradicionalmente dominam o ranking dos países ricos. Esta é uma preocupação que já atinge de forma transversal o cidadão comum dos países desenvolvidos.
Qual a coerência de desequilíbrios como os que se verificam, por exemplo, entre um país que por si só é responsável pela emissão de 40% de emissão de gases com efeito de estufa e todo um continente cujas emissões se situam nos 5%? Emissões que afectam, de igual modo, todos os lugares mesmo aqueles em que o saldo das emissões de dióxido de carbono é nulo.
Que queremos fazer, individual e colectivamente, do tempo e dos lugares que nos aproximam do ser social em permanente construção há milhares de anos?

Aníbal C. Pires, IN Diário Insular, 11 de Novembro de 2009, Angra do Heroísmo

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