domingo, 22 de novembro de 2009

Realismo ou pragmatismo

“Este país está pronto para arder!” Foi com estas palavras que um jovem se referiu a Portugal tendo ainda acrescentado que as acendalhas podiam ser mesmo os processos judiciais que correm interminavelmente até chegarem à vara dos tribunais e, quando aí chegam percorrem outro tanto tempo até ao seu desfecho. Isto quando chega a haver um desenlace pois, como muito bem sabemos, há sempre um risco real de tudo se perder no tempo.
Bem procurei encontrar argumentos que contrariassem esta ideia tão negativa do seu próprio país, mas não foi fácil. Na falta de argumentos sobre o presente que contribuíssem para perspectivar um futuro auspicioso, tive de recorrer ao passado o que, está bom de ver, não chegou para convencer o meu jovem interlocutor, que me foi informando que, logo que chegue o momento, pretende procurar outros destinos onde a história não seja apenas a recordação de uma epopeia marítima, mas um processo de contínua construção e transformação.
O jovem atento ao que se passa no seu país tem fortes razões para estar descontente. Mas, mais do que as suas insatisfações pessoais, o que me deixou estupefacto foi a argúcia com que desmontou as indignadas declarações de José Sócrates à comunicação social quando este, há uma semana atrás, se referia ao facto de estar a ser “vítima” de escutas ligado ao caso “Face Oculta” e as posteriores declarações de dois dos seus homens de mão, Vieira da Silva e Santos Silva.
“Esses gajos devem julgar que somos estúpidos! Claro que não era o José Sócrates que estava a ser escutado, mas sim o seu amigo Armando Vara e outros quejandos. As gravações das escutas incluem o Sócrates porque, tal como ele reconheceu, falou por diversas vezes com o Vara e vá-se lá saber com quem mais dos restantes envolvidos.”
Pensei cá para comigo: então não é que o miúdo é capaz de ter razão? Aliás, a forma como o primeiro-ministro colocou a questão, pressionando o Procurador e o Presidente do Supremo, a cirúrgica intervenção de Vieira da Silva rotulando o caso de “espionagem política” e, por fim, a entrevista de Santos Silva à estação de televisão SIC, onde subscreveu as declarações do actual Ministro da Economia e ainda afirmou que “a escuta pela forma sistemática como decorreu configurava uma flagrante violação da Lei”, não aconteceram por acaso e não são inócuas.
Estes factos mais não pretendem do que criar um clima de vitimização à volta do Primeiro-Ministro e do seu governo e, uma vez mais, pôr em causa a independência do poder judicial, exercendo uma forte pressão política e mediática sobre o Ministério Público.
É preciso acreditar que é possível ultrapassar não só a crise, mas também este ciclo de mediocridade! Disse eu, já falho de outros argumentos, num derradeiro esforço para o jovem mudar de opinião. Esforço que não passou disso mesmo, pois foi em vão e nada demoveu o jovem que, a terminar, me voltou a surpreender com o seu racionalismo: “ Se é uma questão de fé, não tem discussão. O senhor fique lá com a sua convicção, que eu fico com a minha razão e vou procurar o meu sonho noutras paragens, como o fizeram muitos e muitos outros portugueses ao longo dos nossos 900 anos de história”.
Aníbal C. Pires, IN Diário Insular, 18 de Novembro de 2009, Angra do Heroísmo

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