sexta-feira, 30 de outubro de 2009

As pessoas antes dos lucros

Passou sensivelmente um ano desde que o Governo, tardia e relutantemente, acabou por reconhecer que a tal crise “que chegaria mais tarde aos Açores e que se iria embora mais cedo”, tinha afinal chegado. A crise estava instalada muito antes de ser “decretada” e não tem dado sinais de se ausentar nem mais, nem menos depressa como profeticamente foi anunciado.
Quase um ano passou sobre a criação de um pacote de medidas para combate à crise e aos seus efeitos. É, portanto, tempo de se proceder a um balanço da sua eficácia.
Os dados e indicadores necessários para este balanço aí estão e são claros para todos os que os quiserem ler sem a cegueira do dogmatismo.
O grau de endividamento das empresas e das famílias, a retracção da produção e do consumo, o crescimento do desemprego, são indicadores reais e não há cenários de confiança ancorados na excitação da alta bolsista, das últimas semanas, que os disfarcem.
Os que acenam como sinal de confiança e retoma a recuperação de que se tem verificado nas principais bolsas onde se desenvolve a economia virtual, como sendo um indício infalível da ansiada recuperação da economia real, demonstram que nada aprenderam com o desastre global que vivemos, pensando provavelmente, que tudo voltará a ser como dantes, com os sectores especulativos a continuar a desbaratar a riqueza das nações por tóxicas fantasias financeiras, a troco da miséria de mais metade dos habitantes do planeta.
A verdade que temos de enfrentar é que, não só a crise não está debelada, nem controlada, nem terminada, como na verdade se aprofunda. O que temos de assumir é que muitas das medidas tomadas se revelaram completamente insuficientes.
O ritmo de destruição de emprego na Região atinge níveis alarmantes em todas as áreas de actividade, nomeadamente, nos serviços e entre os trabalhadores qualificados. O brutal aumento do desemprego e as expectativas pessimistas que, quer a União Europeia, quer a OCDE, tornaram públicas sobre a sua evolução para o ano de 2010 exigem políticas concretas, eficazes e assertivas para contrariar esta tendência negativa. Uma tendência que põe em causa qualquer pretensão de desenvolvimento harmonioso, qualquer esperança de avançarmos no caminho da tão desejada coesão social, territorial e económica.
Por outro lado, os rendimentos dos trabalhadores açorianos, apesar dos mecanismos existentes, em termos de fiscalidade e de acréscimos salariais, continuam a apresentar valores substancialmente inferiores aos dos seus congéneres continentais. A pobreza e a exclusão social são uma realidade em curva ascendente da qual, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista humano, não nos podemos alhear metendo, como essa magnífica ave que dá pelo nome de avestruz, a cabeça na areia.
Em tempo de discussão do Plano e do Orçamento Regional para o ano de 2010 são necessárias novas políticas de investimento que valorizem o trabalho e os trabalhadores. Políticas que coloquem as pessoas antes dos lucros.
Aníbal C. Pires, IN A UNIÃO, 30 de Outubro de 2009, Angra do Heroísmo

2 comentários:

Maria Margarida Silva disse...

Olá, Aníbal!

No meu comentário anterior, falei, embora de uma forma superficial, do despotismo de Carlos César. Compreendo a tua revolta pelo facto desse mesmo despotismo se continuar a manifestar, nomeadamente no que concerne, agora, à decisão da localização do Cais de Cruzeiros, sem ter havido discussão pública ou uma avaliação rigorosa quer das prioridades de investimento na Terceira, quer ainda dos impactos do implante de uma obra desta envergadura e respectiva localização: Angra? Praia?
O facto é que não me interessa solenemente que esse Cais seja num lugar ou noutro e sei que não é esse o cerne da questão. Também sei que o que te preocupa é a postura e a arrogância e, principalmente e acima de tudo, as prioridades.
Tal como dizes e muito bem, “…a pobreza e a exclusão social são uma realidade em curva ascendente da qual, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista humano, não nos podemos alhear metendo, como essa magnífica ave que dá pelo nome de avestruz, a cabeça na areia.” O desemprego continua a aumentar, o poder de compra a diminuir e os bancos estão a ficar com as casas das pessoas endividadas. Esta é que é a realidade e é com isto que o Governo tem que se preocupar. Melhor dizendo: AGIR!
Sean Purdy, historiador americano, especializado em economia política urbana e história social da classe trabalhadora, professor de História na Universidade de S. Paulo e pesquisador visitante na Universidade de Chicago, num texto que escreveu para a Revista do CAHIS, a 9 de Março de 2009, com o título “O povo antes do lucro” referiu que “A crescente crise económica está criando uma sombra de medo e insegurança para dezenas de milhões de pessoas no mundo inteiro e que os movimentos sociais, sindicais e estudantis têm que retomar as lutas não somente contra a indústria financeira, mas contra o projecto neoliberal em si que está forçando o povo a pagar pela crise.” Acrescentou, ainda, que frente à falsa solução dos media e à classe política, seja no Brasil, África, Ásia, Europa ou América do Norte, os movimentos têm que colocar o povo antes do lucro.
Cais de Cruzeiros? Angra? Praia?


Um beijinho. Até à próxima.

margarida

samuel disse...

As pessoas antes dos lucros?! Com esta gente?! Não deves estar bem...

Abraço.