quinta-feira, 17 de junho de 2010

100 anos de República (3)

O triunfo da revolução de 5 de Outubro de 1910 foi conseguida em Lisboa em pouco mais de 24h, o que face ao contexto que tenho vindo a descrever não é de todo estranho, pelas 8h do dia 5 já o comandante da Divisão Militar de Lisboa tinha apresentado a rendição aos revoltosos e fora de Lisboa não se registaram grandes dificuldades na implantação do novo regime político.
Com a vitória da revolução, o Partido Republicano indigitou o Governo Provisório que exerceu funções até 3 de Setembro de 1911, governo em que logo emergiram as contradições que decorriam da situação social e económica do país. O pender progressista de algumas das medidas tomadas coexistiu com medidas e políticas conservadoras.
No domínio social e económico, as medidas foram de alcance limitado e contraditório. Num plano genérico e a valorizar refiro: a legislação do divórcio, da família e da protecção aos filhos; a reforma do regime do inquilinato urbano; a instituição do direito à assistência pública aos indigentes; a protecção à infância; a criação de um sistema de crédito agrícola; a redução do imposto de consumo; a aprovação do descanso semanal obrigatório ao Domingo.
No sentido oposto estão medidas como: a regulamentação do direito à greve em paralelo com o direito da prática do lock-out pelo patronato.
No plano político e administrativo saliento positivamente: a abolição dos títulos nobiliárquicos; a reintrodução do Código Administrativo de 1878 como peça legislativa descentralizadora; o início da reforma judiciária; a introdução do registo civil obrigatório e exclusivo; a separação da Igreja e do Estado. Num plano oposto estão: a lei eleitoral que negou o voto às mulheres e aos analfabetos impedindo assim a maioria do povo e dos trabalhadores de elegerem e serem eleitos; a manutenção do regime colonial, com submissão das populações autóctones; retrocesso no processo de concessão da autonomia administrativa aos Açores e à Madeira; a manutenção da prática da deportação para as colónias de opositores políticos, dirigentes sindicais e operários.
A política dominante no período que se seguiu gorou as expectativas criadas junto do povo português. A Revolução de 1910, não obstante o apoio popular que suscitou, foi uma revolução liberal burguesa que, golpeando sobrevivências feudais e oligárquicas, deixou intactas as relações de propriedade e só muito superficialmente tocou no aparelho de estado.
A Constituição de 1911 consagrou um conjunto de novos direitos e garantias individuais de cariz progressista mas não abandonou a matriz liberal das constituições monárquicas. (continua)
Aníbal C. Pires, IN DIÁRIO INSULAR, 16 de Junho de 2010, Angra do Heroísmo

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