quarta-feira, 3 de maio de 2017

Escola (in)segura

Foto by Aníbal C. Pires
Nunca tal me tinha acontecido. Já li descrições e ouvi contar a alguns colegas que viveram situações idênticas, algumas até mais graves e que não se ficaram pela ameaça, como se verificou hoje, durante a manhã numa sala de aula. O incidente que partilho passou-se diretamente comigo e indiretamente com os colegas e a auxiliar de educação com quem partilho duas salas de aula num espaço cedido à Escola onde leciono, em virtude de no edifício sede estarem a decorrer obras de ampliação, espaço que se situa longe do edifício sede da Unidade Orgânica e, como tal, desprotegido por não serem feitos os habituais controles de entradas e saídas.
A manhã tinha decorrido de forma tranquila todos os alunos presentes, os professores e a auxiliar de educação desenvolviam as tarefas programadas num ambiente de cooperação e de proximidade.
Passados que eram poucos minutos das 12h bateram à porta que se encontrava fechada com auxílio de um pequeno cordel de sisal. Dos presentes era eu que me encontrava mais próximo, soltei o cordel abri a porta e deparei-me com um cidadão a quem, como mandam as boas regras da urbanidade, disse bom dia. Não me dirigiu palavra, entrou de rompante sem ter pedido autorização para entrar num espaço para o qual deveria estar autorizado a entrar, não cumprimentou os presentes dirigiu-se ao filho para lhe entregar um título de transporte e num tom de voz agressiva dirigiu-se indefinidamente para os presentes dizendo que não voltaria a proceder ao carregamento do título de transporte e quando o filho faltasse, por não ter o título de transporte válido, que não se atrevessem a marcar falta, mais foi dizendo que se isso se viesses a verificar então as coisas seriam diferentes. Com tantos empregados aqui porque é não tratam disto e tenho de ser eu.
A idade e a vida ensinaram-me a ser tolerante, mas entendi que aquela atitude merecia um reparo e, sobretudo, um esclarecimento. Deixei o reparo de lado e parti para o esclarecimento informando o cidadão que a responsabilidade pela validação do título de transporte era da sua exclusiva responsabilidade. O que é que eu fui dizer, então não é que o cidadão se dirige a mim, em termos poucos corretos, dizendo que na vez de estar de braços cruzados e sem fazer nada que fosse eu tratar daquela merda. Naturalmente não segui o caminho da discussão e muito menos de palavras menos apropriadas, apenas insisti na responsabilidade dos pais e encarregados de educação no cumprimento do dever elementar de educar os filhos, e lá fui informando o cidadão que se o seu educando não comparecer às aulas terá, naturalmente, falta de presença.

Foto by Aníbal C. Pires
O cidadão em tom ameaçador foi saindo do espaço e abanando um capacete que trazia consigo foi dizendo, então atreve-te a marcar falta que isto (o capacete) vai servir para alguma coisa. Alguns dos termos que, entretanto, foi utilizando em frente a todos os presentes e já no exterior abstenho-me de os reproduzir aqui.
Por fim continuei com a ação pedagógica, é para isso que me pagam, informando o cidadão de que a atitude dele, entrada sem autorização na sala de aula e ameaça de violência sobre os docentes constituem crimes públicos. O cidadão lá foi seguindo o seu caminho repetindo os impropérios que achou mais convenientes.
Retirei-me para o espaço da aula que decorreu até ao fim sem nenhum outro incidente e, como se nada se tivesse passado. Mas passou. E o que se passou não pode ser esquecido nem branqueado, sob pena da integridade física e moral dos docentes e dos auxiliares estar sujeita a situações como a que hoje foi vivenciada, ou que as ameaças se concretizem. Terá chegado o tempo de recorrer à Escola Segura e daí aos tribunais, Talvez.
Ponta Delgada, 02 de Maio de 2017

Aníbal C. Pires, In Diário Insular e Açores 9, 03 de Maio de 2017

1 comentário:

Clara Gomes disse...

Por vezes parece-me que estamos a retroceder no que toca ao respeito e à responsabilidade.
Parece-me que o eu está a substituir o nós e o outro.
Um abraço