Carlos Tomé - foto de Eduardo Costa |
Ontem na apresentação do livro afirmou-se que esta estória consistia no resgate da memória do avô do autor, e assim é. Mas Carlos Tomé não só resgata a estória do seu avô, o autor resgata para a memória coletiva regional e nacional, um período da nossa história sobre o qual não existe muita informação e que carece de um estudo mais aprofundado. A revolta dos degredados em Angra do Heroísmo, 1931, ou as manifestações populares de 1933, em Ponta Delgada, que culminaram numa greve geral por altura do Carnaval desse ano, ou a estória de mais de duas dezenas de micaelenses presos, em 1938, e condenados ao degredo no forte de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo, grupo do qual fazia parte Carlos Ildefonso Tomé, avô do autor, bem assim como muitas outras estórias, muitas estórias de resistência a um regime opressor e cruel, necessita de mais atenção investigação.
Era um regime que prendia arbitrariamente, que torturava, que matava, que sonegava direitos tão elementares como o direito ao ensino. Veja-se este trecho do livro de Carlos Tomé, (...) - A escola não é para comunistas, nem para os filhos dos comunistas, perceberam todas? Ela foi expulsa, vai para casa!
Ato contínuo, pegou na mão de Lígia, com mais firmeza do que a necessária para os sete anos da “comunista”, e com um seco “Bom dia! Pôs-se a caminho, levando-a da escola, … afastando-a irremediavelmente dos seus sonhos de menina.” (...)
Carlos Tomé não é um historiador, é jornalista, mas com esta obra dá um importante contributo à história da luta contra a ditadura do Estado Novo. O seu avô distribuía correspondência em Ponta Delgada, na correspondência vinham jornais de Lisboa que continham outros jornais, Carlos Ildefonso Tomé, soube e continuou a entregá-los aos destinatários, e a lê-los. Sim era o Avante! Lia outros, os que se publicavam em Ponta Delgada, os que vinham de Lisboa e os que vinham da comunidade açoriana radicada na costa Leste dos Estados Unidos. Tinha esse mau hábito, lia jornais.
Foto by Aníbal C. Pires |
Foi preso pela PSP de Ponta Delgada, esteve na cadeia da Boa Nova e foi degredado para Terceira onde cumpriu a pena que um Tribunal Militar Especial o condenou. No forte de S. João Baptista, onde na altura se encontravam mais de duas centenas de presos políticos, ficou na caserna dos comunistas, aí privou com Joaquim Pires Jorge e com José Gregório, de entre outros destacados militantes do PCP, com os quais manteve uma relação, como não podia deixar de ser, de grande camaradagem. Carlos Ildefonso não era militante do PCP, mas foi acolhido como se fosse um deles. Carlos Ildefonso não sendo militante do PCP, durante este processo e nos longos meses que passou preso no forte de S. João Baptista, comportou-se como se o fosse e granjeou o respeito de todos, designadamente, do Joaquim Pires Jorge e do José Gregório.
Ontem coube a Carlos César fazer a apresentação do livro e do autor e, a Carlos Enes o enquadramento histórico. Ontem, talvez, pela primeira vez estive de acordo com Carlos César, de acordo sem qualquer reserva, o livro Um Perigoso Leitor de Jornais deve fazer parte da leitura obrigatória em todas a escolas da Região. Espero que esta sugestão de Carlos César seja aceite pela tutela da Educação e pelos responsáveis pela rede regional de bibliotecas.
Uma nota final para dizer o que ainda não disse, Gostei, gostei até às lágrimas. Não apenas gostei como me emocionei durante a leitura. Nem todos os livros de que gosto me emocionam, mas este foi um deles. A emoção fez com que as lágrimas rolassem pelo meu rosto.
Bem hajas Carlos Tomé.
Ponta Delgada, 30 de Maio de 2017
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