Imagem retirada da Internet |
Do arquivo das crónicas radiofónicas na 105FM
Hoje fica o texto da crónica emitida a 17 de Março de 2018 que pode ser ouvida aqui
Fake world
Tenho andado a adiar esta conversa consigo. Não por qualquer receio de abordar o assunto, disse-lhe logo no início que aqui não havia lugar para tabus, e mantenho essa disposição.
Os motivos deste protelar são de vária ordem, desde logo, pelo pouco tempo que disponho para aprofundar o conhecimento sobre o assunto, trata-se de uma questão complexa que exige fundamentação para desconstruir, ou pelo menos tentar, as notícias e a opinião que nos é transmitida pelas corporações mediáticas, mas também pela difusão massiva nas redes sociais de relatos, apelos dramáticos, imagens (fotos e vídeos) de uma verdade construída. A realidade é bem diversa.
Ouve todos os dias nas rádios e televisões, desde Março de 2011, falar de uma guerra civil na Síria. Vê as imagens ouve os comentadores falarem da necessidade de por fim a um regime sanguinário e a um presidente déspota. A forma como a questão tem sido tratada sempre me causou impressão, uma má impressão. E por duas ordens de razão: a primeira porque nos relatórios sobre o Desenvolvimento Humano, produzidos anualmente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), colocam a Síria numa posição invejável relativamente aos países árabes; a segunda, e isto não foi possível esconder, quem iniciou o processo de desestabilização na Síria foi o tal de Estado Islâmico, ou mais corretamente o DAESH, ou seja, um grupo terrorista de inspiração no fundamentalismo islâmico contra o qual o mundo civilizado luta. Outras razões não houvesse, e há, estas seriam suficientes para não aceitar, sem questionar, o que a comunicação social foi veiculando sobre o assunto ao longo destes anos.
Por outro lado, terá presente o processo iraquiano e líbio, isto para não lhe falar de outros que ficaram conhecidos pela Primavera Árabe, com os resultados que todos conhecemos, mas não só. Veja que este fenómeno não se estendeu a países com a Arábia Saudita, o Qatar, o Koweit, os Emirados Árabes Unidos e outros. Porquê. E quando no Bahrein se esboçou um destes movimentos primaveris logo as tropas sauditas trataram de lhe por fim. Como sabe estes estados a que me referi não são propriamente um exemplo de democracia. Para estes regimes, aqui é adequado a utilização do termo sim, os direitos humanos são uma coisa desconhecida.
Só estas dúvidas são suficientes para questionar o que lemos, ouvimos e visionamos, quer nas redes sociais, quer nos clássicos órgãos de comunicação social. Aliás, o escândalo da fuga de informação do Facebook, referenciada ontem, neste espaço, pelo Dr. Pedro Gomes, diz bem da dimensão da manipulação da informação e formatação da opinião mundial, fica apenas como um aparte. Um aparte que não é de somenos importância para o que lhe quero dizer, antes de terminar.
Quais são as principais fontes onde se fundam as notícias difundidas nas corporações mediáticas, chamadas de referência, e por quem são produzidas a maior parte das publicações nas redes sociais. Pois bem, já deve ter ouvido falar nos Capacetes Brancos e no Observatório Sírio dos Direitos Humanos. São estas duas organizações, a primeira fundada em finais de 2012 princípios de 2013 por um oficial da inteligência britânica e as suas fontes de financiamento são conhecidas, é só uma questão de ir verificar e, surpreenda-se. Os Capacetes Brancos só atuam nas zonas controladas pela Al-Nusra/Al-Qaeda, vá-se lá saber porquê. A outra fonte, o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, tem a sua sede em Coventry, um bairro de Londres e é ali que forja as notícias sobre a questão síria. Para dos além Capacetes Brancos e do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, cuja credibilidade há muito foi colocada em causa, as notícias emanam da NATO e dos bandos de terroristas estrangeiros que foram injetados na Síria depois da tomada da Líbia pelos radicais islâmicos promovidos e enquadrados pelos serviços da inteligência de alguns países que se arvoram em paladinos dos direitos humanos e de outros onde os direitos humanos não são respeitados. Que estranha aliança.
Esta nossa conversa pretende, tão-somente, deixar-lhe algumas questões para, se assim entender, refletir sobre elas e procurar informação alternativa às fake news (notícias falsas) que constroem representações de um fake world (mundo falso). E parecendo conceitos novos, a verdade é que há muito tempo são utilizados. Não são fruto das redes sociais. Construa a sua própria opinião e não se deixe ir na onda, por muito cómodo que isso seja
Volto no próximo sábado.
Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 24 de Março de 2018
Sem comentários:
Enviar um comentário