sábado, 4 de julho de 2009

Rastejantes

Em Setembro de 2007 publiquei, neste mesmo espaço, uma reflexão sobre a maleabilidade dorsal de alguns humanos e a plasticidade com que esses seres “invertebrados” moldam a sua conduta em função de interesses imediatos e de satisfação das suas ambições pessoais. Há quem lhe chame carreira, eu adopto outra adjectivação para este tipo de comportamento e, se até posso compreender não perdoo a quem dobra as costas ao poder, seja ele qual for.
Hoje, na noite em que as televisões nos injectam “notícias” da morte de Michael Jackson, não encontro outro pensamento que não seja de novo dissertar sobre a qualidade rastejante de alguns seres humanos. Penso que nem será pelo controverso percurso pessoal desta estrela mundial da música pop, mas pela frequência com que me deparo com personalidades que vivem e agem sem princípios e sem valores mas que se projectam social e profissionalmente em nome da defesa de um ideal colectivo.
Há quem faça das fragilidades sociais e económicas de alguns segmentos da população um modo de vida e se sirva para atingir objectivos que não são, certamente, os da resolução dos problemas dos seus semelhantes pois, se assim fosse ficariam sem modo de vida. O que seria uma chatice para os próprios.
Não será por acaso que nos últimos anos se começaram a ouvir algumas vozes autorizadas a colocar em causa o modelo de ajuda aos países em desenvolvimento e a estratégia de intervenção de algumas Organizações Não Governamentais (ONG.s). É a própria Organização das Nações Unidas (ONU) que reconhece que uma parte significativa dos apoios financeiros afectos a projectos de desenvolvimento nem sequer chega a sair do país financiador, ou que os Estados Unidos têm no seu programa de combate à fome nos países africanos uma forma encapotada de financiar o seu sector agrícola.
Mas não necessitamos de sair da nossa cidade, nem mesmo do nosso bairro, para perceber que à volta da desgraça alheia se estabeleceu uma rede de organizações constituída por indivíduos que prosperam na adversidade dos seus concidadãos.
A economia da desgraça alheia floresce na mesma medida em que a adversidade e a exclusão atingem um número maior de cidadãos!
Os leitores que conseguiram chegar até aqui perguntar-se-ão mas afinal onde estão os rastejantes!?
Só lhes posso dizer que eles andam por aí na vertical apoiados nas muletas de ideais e projectos devidamente suportados pelo poder. Não deixem de observar bem, mesmo sem olhar para o chão, e encontrarão “picos” deles a parasitar a desgraça alheia e a promover a atomização social e o empreendorismo como a solução milagrosa para sair da crise, resolver o problema do emprego e a dinamização da economia.
Os resultados são sobejamente conhecidos e os rastejantes também.
Aníbal C. Pires, IN Expresso das Nove, 03 de Julho de 2009, Ponta Delgada

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