sexta-feira, 24 de julho de 2009

Um roubo despudorado ao Cantigueiro

O blogue do Samuel é uma das minhas referências e já por várias vezes o linkei nos meus posts mas hoje não consigo resistir e vou, despudoradamente, roubar-lhe um post por inteiro.

O poema e a fotografia valem a ousadia e o Samuel que me perdõe mas é em nome da beleza feminina e da poesia africana de expressão portuguesa.


Sarita
Sarita mora no musseque,
sofre no musseque,
mas passeia garrida na baixa
toda vermelha e azul,
toda sorriso branco de marfim,
e os brancos ficam a olhar,
perdidos no seu olhar.
Sarita usa brincos amarelos de lata
penteado de deusa egípcia
andar de gazela no mato,
desce à cidade
e sorri para toda a gente.
Depois, às seis e meia,
Sarita vai viver pró musseque
com os brancos perdidos no seu olhar!

António Cardoso (1933-2006)(No reino de Caliban II - antologia panorâmica de poesia africana de expressão portuguesa

3 comentários:

samuel disse...

E ficou aqui muito bem!
Na minha única viagem a Angola, o serão mais memorável foi passado na companhia dos poetas Manuel Rui, António Jacinto e esta saudoso António Cardoso, na casa de um amigo comum português. Eu lá fui cantando umas cantigas... fiz o que foi possível... :-)))

Abraço

Maria Margarida Silva disse...

António Cardoso é um grande poeta. Os seus poemas são eternos, tal como toda a poesia.
Nasceu a 8 de Abril de 1933 em Luanda, onde fez os estudos liceais. Teve a sua estreia no boletim "Estudante" (órgão dos alunos do ex-liceu Salvador Correia) e na revista "Mensagem". Foi preso pela PIDE (polícia portuguesa) em 1959 e de novo em 1961, só sendo libertado a 1 de Maio de 1974, depois de ter passado cerca de três anos em cadeias de Luanda e aproximadamente dez no Campo de Concentração do Tarrafal, facto que marcou muito a sua obra.
“Sarita” faz parte da sua obra e é um belo poema. Todavia, se me permites, não resisto a transcrever o meu preferido, para que seja saboreado por todos os amantes da poesia que visitam o teu blogue:

Árvore de Frutos
Cheiras ao caju da minha infância
e tens a cor do barro vermelho molhado
de antigamente;
há sabor a manga a escorrer-te na boca
e dureza de maboque a saltar-te nos seios.

Misturo-te com a terra vermelha
e com as noites
de histórias antigas
ouvidas há muito.

No teu corpo
sons antigos dos batuques à minha porta,
com que me provocas,
enchem-me o cérebro de fogo incontido.

Amor, és o sonho feito carne
do meu bairro antigo do musseque!

(No reino de Caliban II - antologia
panorâmica de poesia africana de ex-
pressão portuguesa)

Um abraço.
margarida

Aníbal C. Pires disse...

Olá Margarida!

Obrigado pelos teus contributos.
És uma querida amiga.

Beijos