segunda-feira, 19 de junho de 2017

Do mau uso da floresta

Imagem retirada da Internet
Portugal está de luto. De novo o drama dos incêndios florestais e, desta vez, apenas num dos incêndios mais de seis dezenas de vítimas mortais.
E interrogamo-nos, Como foi possível. Como pode ter acontecido uma tragédia com esta dimensão catastrófica. Pode não ser, e não é, o momento mais adequado para levantar algumas questões de que todos fomos dando conta durante aquele sábado fatídico e trágico, mas é importante recolocar outras. Outras questões como a prevenção, o ordenamento do território, a política agrícola e florestal e a defesa nacional, Sim a defesa nacional.
Nasci no interior continental, o pinhal predominava e à sua volta uma economia florescente. Extração de resina e produção de madeira. As matas estavam limpas devido ao uso da floresta e às populações que retiravam dos pinhais as pinhas, os ramos secos e a caruma que utilizavam nas lareiras, fogões a lenha e nos fornos, por outro lado a atividade agrícola evitava, também, que o território fosse destinado apenas à monocultura da floresta. Tudo isso acabou. As florestas são de eucalipto para alimentar a indústria do papel e não há quem limpe a floresta porque já não se cozinha nos fogões de lenha, ninguém se aquece à lareira e os fornos de lenha só são utilizados lá de vez em quando.
Perguntarão se quando eu era criança não havia incêndios florestais, Sim havia, mas nunca com a dimensão de área ardida como aquela que se começou a verificar após o abandono de algumas atividades económicas ligadas à floresta, da substituição do pinheiro pelo eucalipto, do abandono dos campos agrícolas, da desertificação do interior. Não é só por estas razões, mas também, que os incêndios florestais a cada ano constituem uma catástrofe nacional.

imagem retirada da Internet
A alteração de políticas agrícolas e florestais, bem assim como a prevenção, devem ser prioritárias. Isto se na realidade se quiser evitar os cenários dantescos como aquele a que assistimos anualmente e, cujo exemplo presente é o da tragédia do Pedrógão Grande.
Os meios de combate aos incêndios, os sistemas de comunicação alternativos, os recursos humanos, enfim todo um dispositivo pronto a atuar com eficácia, é importante e também isso deve ser avaliado, mas nunca serão suficientes os meios se a montante não se alterarem as políticas, como já foi referido. Diz-nos um experiente piloto, que há 15 anos está no combate a incêndios, que nunca viu nada assim. Reuniram-se condições naturais para que o incêndio de Pedrógão Grande tomasse aquelas proporções. Em síntese dizia esse experimentado piloto, a mãe natureza ganhou. Ganha sempre, digo eu. E ganhará mais vezes ainda enquanto a atividade antrópica contribuir para isso. Sem sequer por em causa as afirmações do piloto, é bom lembrar que temperaturas elevadas e trovoadas secas acontecem com frequência nesta altura do ano, quanto ao clima mediterrânico é o nosso, não temos outro. E como essas condições naturais se vão certamente repetir todos os anos, o que é importante é alterar o uso do solo e ordenar o território de modo a evitar que, essas condições naturais, tenham condições propícias no solo para provocar tragédias catastróficas como aquela que aconteceu no Pedrógão Grande.
Alterar a política de defesa nacional porquê, Perguntarão os leitores mais atentos. Depois do fim da guerra colonial e da obrigatoriedade do serviço militar por todos os cidadãos a defesa nacional vocacionou-se para a sua integração na NATO e para missões internacionais. Todos os investimentos em equipamento e formação das Forças Armadas foi direcionado para essas missões, com prejuízo de aspetos tão importantes como a vigilância aérea e marítima dos nossos mares, que queremos legitimamente ampliar, mas também de missões de apoio ás populações e à proteção civil.
Os avultados investimentos em equipamento bélico e na formação das Forças Armadas para cenários de guerra são conhecidos. A questão é se essa é a política de defesa nacional que queremos para o nosso país.
Em memória das vítimas e por respeito às suas famílias o Estado português não pode deixar que tudo continue como até aqui.
Ponta Delgada, 18 de Junho de 2017

Aníbal C. Pires, In Açores Digital, 19 de Junho de 2017

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