terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Não é tão raro assim

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Quanto maior for a desgraça maior é a prosperidade. E o negócio floresce. Os Estados, nem todos, delegam em organizações não governamentais(ONG) as ajudas aos cidadãos e povos que por um motivo ou outro são vítimas. Vítimas de cataclismos naturais, vítimas da própria ação política que produz desigualdades, fome, pobreza, subdesenvolvimento.
A Organização das Nações Unidas através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD) tem sido claro sobre esta questão, por um lado a insuficiência do financiamento para a cooperação e, por outro lado sobre a forma como a cooperação é implementada pois, mais de metade dos fundos públicos que lhe são afetos não chegam aos destinatários, ou seja, são consumidos pelas organizações nas quais se delegam os projetos de cooperação, ou as missões humanitárias.
Esta constatação do PNUD aplica-se à generalidade das respostas da solidariedade internacional em caso de catástrofes naturais e aos programas de cooperação para o desenvolvimento.
Se é verdade que alguns indicadores sofreram melhorias, não é menos verdade que os Objetivos do Milénio(OM) aprovados em 2000 e com o horizonte de 2015 ficaram por cumprir. As desigualdades acentuaram-se e até a sua geografia se alterou. Não pretendo deixar a ideia de que os OM não foram importantes, Foram, e conseguiram-se alguns avanços devido a esse compromisso internacional, mas à equação continuam a faltar algumas variáveis e outras são subvertidas pelas organizações a quem é atribuída a competência para implementar os programas de cooperação para o desenvolvimento, ou às missões humanitárias.
Esta espécie de introdução ao tema pretende chegar a uma recente notícia que não chegou a fazer manchetes e depressa desapareceu das páginas e écrans das corporações mediáticas.
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A OXFAM Internacional, ONG fundada nos anos 60 em Inglaterra, foi uma das muitas organizações que acudiram ao Haiti após o violento terramoto, de 12 de Janeiro de 2010, que vitimou cerca de 300 mil pessoas e afetou mais de 3 milhões.
Não foi a primeira vez que a OXFAM foi notícia pelos piores motivos. Em 2006 no Chade o chefe da missão tinha sido acusado de conduta imprópria sem que os responsáveis pela OXFAM tivessem agido, ou melhor a sua ação foi de branqueamento sobre o sucedido. E foi o mesmo colaborador a quem tinha sido imputada uma conduta imprópria no Chade que chefiou a missão desta organização inglesa no Haiti.
O chefe da missão da OXFAM em Port-au-Prince, Haiti, alugou uma casa e transformou-a num bordel de prostitutas jovens - algumas delas alegadamente menores de idades - a quem se pedia, durante as festas que mais pareciam “orgias dignas de Calígula”, em referência ao imperador romano de quem se dizia muito apreciar ajuntamentos dessa natureza, que usassem t-shirts da organização não-governamental. Foi assim que o The Times e o Expresso online deram recentemente a notícia, embora estes acontecimentos datem de 2011.
Do mesmo modo que soube o que se passou no Chade, a organização também soube o que se passou no Haiti e abriu uma investigação interna que levou a que quatro trabalhadores fossem despedidos e a que três apresentassem a sua demissão, entre os quais o individuo que chefiou a missão no Chade e no Haiti, que, entretanto, transitou para uma outra ONG.
Ainda segundo as mesmas fontes depois da denúncia ter chegado à opinião pública Penny Lawrence, diretora-geral adjunta da ONG britânica, assumiu a sua demissão e confessou que, de facto, a organização estava a par do que acontecera no Chade, não tendo tomado as medidas adequadas. “Tenho vergonha de que isso tenho acontecido sob a minha supervisão e assumo toda a responsabilidade”, disse ainda a diretora, pedindo desculpas pelos “danos e angústia causados a quem apoia a OXFAM” e às “pessoas vulneráveis” que foram afetadas.
A OXFAM tem um apoio anual do governo inglês de 31 milhões de libras, cerca de 35 milhões de euros, e representa cerca de ¼ do valor afetado pela Inglaterra à ajuda externa.
Nem todas as ONG utilizam desta forma os dinheiros públicos e privados, seria injusta uma generalização.
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O ator Sean Penn fundou a J/P Haitian Relief Organization(J/P HRO) cuja filosofia e ação nada têm a ver com o comportamento da OXFAM e é da mais elementar justiça reconhecê-lo.
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Nem todos os Estados delegam competências em ONGs, Cuba que já tinha equipas médicas no Haiti antes do terramoto de 2010 reforçou a sua presença e o seu papel foi, e é reconhecido pelas Nações Unidas, aliás como se verificou com a intervenção das equipas medicas cubanas em África aquando da última epidemia do vírus ébola (2014) e que a Organização Mundial da Saúde louvou como um gesto sem precedentes.
A indevida utilização de fundos públicos e privados por ONGs não é uma singularidade portuguesa. Situações como a da OXFAM, ainda que de natureza diferente, não são tão raras assim e, muitas vezes as ONG são utilizadas para atingir objetivos pouco nobres, sejam elas financiadas por dinheiros públicos ou privados.
Ponta Delgada, 25 de Fevereiro de 2018


Aníbal C. Pires, In Azores Digital, 26 de Fevereiro de 2018

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