sábado, 24 de fevereiro de 2018

O terceiro setor - crónicas radiofónicas

Foto by Aníbal C. Pires




Do arquivo das crónicas radiofónicas na 105FM

Hoje fica o texto da crónica emitida a 16 de Dezembro de 2017 que pode ser ouvida aqui








O terceiro setor

Não gosto de vir a terreiro sem antes deixar maturar os factos e avaliar as diferentes análises, fazer a minha reflexão e, depois sim, partilho a minha opinião. Opinião na qual procuro deixar espaço para que quem me lê ou ouve, como é o seu caso, se sinta parte e construa a sua própria opinião.
Noutros tempos e no exercício de outras funções tinha de o fazer. A resposta tinha de ser dada em cima do acontecimento. Nunca me agradou, mas era isso que de mim se esperava, e fazia-o. Agora não e, sempre que possível, em todas as situações da minha vida pessoal e pública sigo a velha máxima de que o tempo é bom conselheiro. E não me tenho dado mal.
Não sendo habitual, diria mesmo que é raríssimo, mas esta semana vou quebrar o princípio, pois o momento social e político está ao rubro com uma IPSS nacional, mas a forma como a questão tem sido abordada situa-se ao nível do acessório. Não estou a dizer que não é grave. É grave, concordo consigo, é gravíssimo. E infelizmente não é raro, nem é periférico da governação como um responsável político por aí afirmou. É frequente e representa a demissão do Estado, o Estado não faz, delega e financia com o seu, com o nosso dinheiro.
Mas os contornos das notícias e a focalização nos aspetos mais execráveis da ex-presidente da Raríssimas e da devassa da vida privada de alguns personagens próximos daquela dirigente afastam a discussão do que julgo ser o essencial. Essa é a principal razão porque hoje abri mais uma exceção.
As IPSS, na generalidade das situações, desenvolvem atividades que cabem ao Estado. Mas o Estado em nome de uma cultura dominante de redução do seu papel transfere competências e financiamento para entidades do domínio privado. Subjacente a esta prática está o pressuposto que esse princípio é mais barato e eficaz porque a gestão privada rentabiliza os recursos e a gestão pública é uma fonte de desperdício. Nada de mais errado.

Foto by Aníbal C. Pires
Não é nem mais barato, nem mais eficaz. O Estado reduz os seus funcionários na área da saúde, da assistência social, da educação e por aí adiante e, assim, satisfaz o princípio do menos Estado melhor Estado defendido pela teologia neoliberal. Mas quem paga a fatura é sempre o Estado e, por vezes, paga mais, paga muito mais do que se mantivesse os serviços públicos dotados com recursos humanos e financeiros para responder às necessidades de apoio social, de saúde e de educação.
Existem, de facto, algumas diferenças entre ser o Estado, ou as entidades do domínio privado a assegurar serviços da chamada solidariedade social, aliás esta atividade substitutiva do Estado assume a designação de terceiro setor, ou seja, a denominação sociológica com que se designam as iniciativas privadas de utilidade pública com origem na sociedade civil, sendo que nesta lógica o primeiro setor é o público (Estado), e o segundo setor é o privado (o mercado). Isto segundo uma corrente de pensamento construída no pressuposto da falência do Estado social na necessidade e possibilidade da coexistência, em paridade, destes três setores. Premissa com a qual não concordo. Os efeitos conhecidos são suficientes para justificar a minha discordância.
Mas falava de diferenças, pois bem uma das mais importantes é a origem do financiamento público ao terceiro setor. A fonte de financiamento é o Orçamento da Segurança Social, isso mesmo são as suas contribuições e as contribuições do seu empregador para a segurança social que são a principal fonte de financiamento. Pensava que era do Orçamento Geral do Estado, Não, não é. O financiamento é do Orçamento da Segurança Social.
O que quer dizer que o dinheiro que desconta para a segurança social e que se destina a protegê-lo na doença, em situações de desemprego e, claro está para pagar a sua pensão de reforma, é esse dinheiro, o seu dinheiro, que financia a Raríssimas e todo o terceiro setor.
Como já percebeu uma das razões da existência do fator de sustentabilidade da segurança social, que este ano era de 13,8%, mas para o próximo ano será de 14,5%, e a idade da aposentação se vai, a cada ano, dilatando, em 2018 será mais um mês. Ou seja, para si não há dinheiro para lhe pagarem uma pensão de reforma digna e, numa idade em que ainda a possa usufruir por um tempo prolongado de merecido descanso pela sua vida de trabalho, mas para o terceiro setor, para a Raríssimas e tantas e tantas outras não falta financiamento público à custa das suas contribuições para a segurança social.
Tenha um bom dia.
Eu volto no próximo sábado para estar consigo.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 16 de Dezembro de 2017

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