sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Privatizar o Handling da SATA. Para quê?

Num tempo em que a externalização de serviços está a ser fortemente questionada. O Governo Regional opta por comunicar que, a prazo, alguns serviços da SATA serão externalizados. 

A anunciada intenção do Governo Regional de separar os serviços de Handling da SATA, com vista à sua privatização, não é apenas um erro estratégico, é uma porta aberta à entrega de um setor essencial da aviação açoriana a interesses privados. 

O Handling não é um serviço acessório, mas parte integrante da operação aérea, separar significa desarticular a companhia e criar dependências artificiais. O paradoxo é evidente: privatizados os serviços, a SATA terá de os comprar a terceiros para apoiar a operação aérea, pagando pelo que hoje assegura dentro de portas.

As consequências não se ficam pela lógica financeira. Perde-se capacidade de controlo, enfraquece-se a coesão do Grupo SATA, fragiliza-se a defesa da mobilidade dos açorianos e dos interesses estratégicos da Região. O risco é claro: empresas privadas, movidas pela lógica do lucro imediato, não terão o mesmo compromisso com a continuidade territorial, com o emprego estável e qualificado, nem com a salvaguarda do interesse público. Esta separação não fortalece a SATA, antes abre caminho à sua fragilização e dependência, deixando no ar a pergunta essencial: a quem serve, afinal, esta opção política?

Aceito visões diferentes e com vantagens para os interesses da Região.

A questão financeira, sendo importante, não tem o significado nem a dimensão que alguns lhe conferem pois, para além das receitas próprias, insuficientes para encargos que não resultam apenas os da operação aérea, o Grupo SATA contribui para a Segurança Social, para a receita pública, através do IRS dos seus trabalhadores, mas também e, quiçá, sobretudo para que alguns setores da economia regional possam ter atividade lucrativa.

Aníbal C. Pires, 5 de setembro de 2025


5. 6 e 7 de setembro - FESTA DO AVANTE!

A Festa do Avante é muito mais do que um evento político e cultural. A FESTA é um espaço único de solidariedade, encontro e reencontro, onde se cruzam gerações, sotaques e percursos de vida. É o lugar onde a amizade se constrói no convívio simples, no trabalho voluntário, na partilha de ideais e de esperanças, sempre com os olhos postos num futuro mais justo e humano.

Entre palcos e debates, exposições e sabores do mundo, ergue-se um território de liberdade onde a luta se faz através da arte, da cultura e do diálogo. Aqui celebra-se a diversidade e o espírito coletivo, num ambiente de fraternidade que resiste ao tempo e se renova a cada edição.

Não é por acaso que, com toda a propriedade, se diz e bem, : "Não há Festa como esta".

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Memória e esquecimento

imagem retirada da internet
A memória coletiva, devia ser, mas não é, um arquivo neutro onde se guardam factos e datas. É, pelo contrário, um campo de batalha permanente, onde o que se recorda e o que se esquece resulta de escolhas políticas, culturais e económicas. O passado não é uma paisagem imutável. O tempo pretérito é continuamente reescrito a partir das opções do poder e do pensamento dominante que a cada momento histórico se impõe no senso comum e que melhor serve os seus interesses. E é por isso que a disputa entre memória e esquecimento nunca é inocente e que atualmente se transformou numa luta que urge travar para que o revisionismo não se imponha à verdade histórica.

Conhecer é um ato de libertação que arma os cidadãos, tornando-os menos vulneráveis à moldagem da opinião pública e ao revisionismo histórico. Por outro lado, é essencial perceber quais os interesses e as finalidades de quem decide sobre a reescrita da história.

Oito décadas depois da manhã de 6 de agosto de 1945, Hiroshima continua a ser o símbolo maior da capacidade autodestrutiva da humanidade. No espaço de segundos, uma cidade inteira foi reduzida a cinzas, e dezenas de milhares de vidas desapareceram numa nuvem de fogo e silêncio. O desfecho do conflito estava desenhado, mas os EUA não se abstiveram de cometer a barbaridade que três dias depois repetiram sobre a cidade de Nagasaki.

imagem retirada da internet

No entanto, a narrativa dominante tende a enquadrar estes acontecimentos como inevitáveis, quase naturais, parte de um desfecho histórico que teria poupado vidas ao acelerar o fim da guerra e, raramente, o mainstream refere quem foram os autores dos bombardeamentos. A justificação oficial, a ocidente, repete-se como uma espécie de mantra, abafando perguntas incómodas: Era mesmo necessário? Quais foram os cálculos estratégicos e geopolíticos que estiveram por trás da decisão? E por que motivo a memória de Hiroshima e Nagasaki raramente se cruza com a lembrança dos bombardeamentos convencionais, igualmente devastadores e, quiçá evitáveis, que arrasaram cidades como Dresden ou Tóquio?

Ao simplificar o acontecimento, a memória oficial apaga a responsabilidade política e moral. E este apagamento não é irrelevante: Sem memória crítica, a humanidade arrisca-se a normalizar a guerra, a vulgarizar a violência e premiar os autores desse ato desumano.

Também o colonialismo europeu é um território de memórias conflituosas e uma história, nem sempre bem contada, ou melhor, descrita pelos olhos dos colonizadores como uma missão civilizadora alicerçada na supremacia dos povos europeus e concretizada pela força das armas, mas que para os povos colonizados foi uma experiência de exploração, violência, racismo e epistemicídio. Situação que mesmo após os processos de descolonização se perpetuou sob a égide e as diferentes faces do neocolonialismo, do qual nem todos os povos colonizados se libertaram. O certo é que, nas últimas décadas, a tendência dominante continua a ser a do esquecimento seletivo e do branqueamento.

Em Portugal, por exemplo, o império é muitas vezes reduzido a episódios de exotismo e à branda nostalgia do imaginário colonial africano. Não se fala tanto da escravatura, dos massacres ou da guerra colonial que, até à revolução de Abril, vitimou milhares de jovens nas frentes de combate em África. A narrativa da lusofonia procura suavizar os traços mais duros dessa história e, há ainda quem tente justificar o colonialismo português com as teses do chamado luso-tropicalismo

Esquecer e adaptar os factos, neste caso, é também uma forma de perpetuar uma versão unilateral da história. A memória não deve ser uma galeria de glórias, mas um espaço de responsabilização. Para que não subsistam dúvidas estas palavras não se destinam aos milhares e milhares de jovens portugueses que foram forçados a combater numa guerra que não era sua e na qual muitos milhares foram mortos.

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Outras memórias têm sido moldadas pelo presente, mas a história não mente. A OTAN fundada, como bloco militar defensivo, em 1949 integrou a ditadura portuguesa como um dos membros fundadores o que só se compreende face aos objetivos políticos desta organização que, como se sabe, tinha como principal finalidade o combate à expansão da influência soviética e uma suposta ameaça crescente de bolchevização do mundo.

Sendo assim e após a implosão da União Soviética, 26 de dezembro de 1991, e da anterior dissolução do bloco militar designado por Pacto de Varsóvia, em julho do mesmo ano, a OTAN deixou de fazer qualquer sentido como bloco militar.

As intervenções da OTAN na Jugoslávia, 1994 e 1999, no Afeganistão, em 2001 a 2021, no Iraque em 2004, na Líbia, em 2011, entre outros episódios de intervenção indireta, mas todos eles, veja-se, após a dissolução do Pacto de Varsóvia e da implosão da União Soviética. A partir do bombardeamento da Jugoslávia, a OTAN deixou cair o seu estatuto de bloco militar defensivo e assumiu-se como uma organização ofensiva ao serviço de interesses imperiais.

O que o mainstream transmite para a memória coletiva é uma narrativa de defesa da liberdade e da democracia, mas os seus objetivos e, particularmente, os efeitos reais das intervenções da OTAN foram devastadores para os países onde houve intervenção militar desta dita organização militar defensiva.

A memória oficial da OTAN é moldada pelo presente: enfatiza-se a ameaça externa, oculta-se o custo humano das guerras. E é neste jogo de esquecimento seletivo que se legitima a continuação da aliança, mesmo quando os resultados das suas ações são, no mínimo, discutíveis, bem assim como a sua existência.

Em Portugal, o caso da ditadura salazarista mostra bem como a memória é vulnerável à erosão do tempo e que, crescente representação institucional de forças populistas tem vindo a acelerar. No espaço de uma geração, a guerra colonial, a censura, a repressão política, a prisão, a tortura e o assassinato de opositores e a miséria que forçou centenas de milhares à emigração, foram sendo obliterados. Hoje, não é raro ouvir quem recorde a ditadura fascista como um tempo de ordem e tranquilidade e a difusão da ideia de que: antigamente é que era bom.

imagem retirada da internet

Este branqueamento da história não é inocente, distorce a realidade e, por conseguinte, fragiliza a democracia. Quando às novas gerações lhes é sonegado o direito à informação e formação sobre a história da ditadura, a memória é apagada e abre-se o caminho para revisionismos perigosos. Portugal oscila, perigosamente, entre a nostalgia do império e a integração europeia, entre a memória da guerra colonial e o esquecimento das suas consequências sociais, entre a celebração popular do 25 de Abril e o risco de a reduzir a uma data protocolar, ou substituir a data fundacional da democracia portuguesa por um outro dia 25.

A disputa entre memória e esquecimento não é apenas um fenómeno natural da passagem do tempo: é também uma construção social deliberada. Os poderes instituídos têm interesse em moldar a memória coletiva. Reescrevem a história para legitimar o presente, ocultam responsabilidades, exaltam vitórias e reduzem derrotas a notas de rodapé.

Os instrumentos dessa manipulação são claros. O ensino, quando reduzido a programas mínimos e acríticos, transforma-se em veículo de amnésia organizada. A comunicação social, dominada por lógicas empresariais e agendas políticas, seleciona o que deve ser lembrado e o que deve ser apagado, reduzindo a complexidade a narrativas simplistas. E as redes sociais, com a sua velocidade e fragmentação, amplificam falsidades e revisionismos, transformando a mentira repetida em verdade partilhada.

O perigo não está apenas no esquecimento, mas na substituição da memória pela ficção conveniente. Quem controla a memória molda o futuro. É por isso que recordar não é um exercício nostálgico: é um ato político. Defender a memória crítica é defender a democracia contra a erosão lenta do revisionismo, é proteger a verdade contra a anestesia da mentira e é, sobretudo, escolher não entregar o futuro às mãos de quem se alimenta do esquecimento e do revisionismo histórico.

Ponta Delgada, 2 de setembro de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 3 de setembro de 2025

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

instrumentos de manipulação

Aníbal C. Pires - do arquivo pessoal

Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...) Os instrumentos dessa manipulação são claros. O ensino, quando reduzido a programas mínimos e acríticos, transforma-se em veículo de amnésia organizada. A comunicação social, dominada por lógicas empresariais e agendas políticas, seleciona o que deve ser lembrado e o que deve ser apagado, reduzindo a complexidade a narrativas simplistas. E as redes sociais, com a sua velocidade e fragmentação, amplificam falsidades e revisionismos, transformando a mentira repetida em verdade partilhada.

O perigo não está apenas no esquecimento, mas na substituição da memória pela ficção conveniente. Quem controla a memória molda o futuro. É por isso que recordar não é um exercício nostálgico: é um ato político. Defender a memória crítica é defender a democracia contra a erosão lenta do revisionismo, é proteger a verdade contra a anestesia da mentira e é, sobretudo, escolher não entregar o futuro às mãos de quem se alimenta do esquecimento e do revisionismo histórico. (...)


terça-feira, 2 de setembro de 2025

música na FESTA


"A Festa do Avante tem sido, desde a primeira edição, um palco onde cabe o mundo. São muitos artistas de que gostamos muito, que fizeram, fazem e farão a banda sonora das nossas vidas. E são, sobretudo, amigos que se juntam. 

Do fado ao rock, da música popular portuguesa ao jazz, do rap às músicas do mundo, da música de intervenção à pop, da celta ao punk, do post rock ao funk, passando pelo hip hop, do afro beat ao blues, do R&B ao reggae, do kuduru à electrónica e à minimal repetitiva, de todas aquelas que não se integram em categorias formais. Dos nomes mais consagrados aos que o serão no futuro, todos passam pela Festa do Avante!"

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Mariam Abu Daqqa - a abrir setembro

A chacina de jornalistas e o genocídio continua na Palestina ocupada pelo estado colonial e sionista.

Mariam Abu Daqqa, repórter internacional, foi morta junto de colegas por um bombardeio sionista ao Hospital Nasser de Khan Younis, no sul de Gaza. O assassinato de Mariam ocorreu no dia 25 de agosto pp, com ela morreram mais 20 pessoas.

O estado colonial sionista já assassinou mais de 200 jornalistas, mas por cá (a ocidente) os jornalistas e comentadeiros avençados continuam a justificar o injustificável com o 7 de outubro e o Hamas, como se tudo não tivesse começado há mais de um século.

O silêncio é cúmplice.


domingo, 31 de agosto de 2025

as artes plásticas na FESTA

"Este ano há Bienal de Artes Plásticas na Festa do Avante!, que já vai na 24.ª edição: o júri seleccionou 127 obras de 104 artistas. A Bienal será mais uma vez um espaço de diversidade e afirmação, onde os visitantes podem fruir de obras de arte que, em alguns casos, lhes eram distantes, ao mesmo tempo que os artistas têm oportunidade para mostrar os seus trabalhos nas diversas linguagens e técnicas das artes plásticas, multimédia e performance/instalação, consideradas hoje património da arte contemporânea.

Em paralelo com a Bienal, o Espaço das Artes apresenta uma exposição da artista Rita Andrade – com licenciatura em Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e mestrado em Art & Politics na Goldsmiths, University of London. O seu trabalho centra-se no poder transformador da arte como um meio pacífico de comunicação e na defesa dos direitos humanos, inspirado nas suas viagens à Palestina e Honduras.

Por outro lado, funciona como um catalisador para o discurso crítico, encorajando a auto-reflexão, o pensamento crítico e a coragem para sair das zonas de conforto. Ao desafiar normas estabelecidas e construções sociais, Rita Andrade inspira uma consciência mais profunda da influência e responsabilidade individuais, levando os espectadores a pensar no seu lugar e impacto no mundo.

Para mais informações sobre o trabalho motivador e empenhado desta artista, pode ser consultado o site Rita Andrade Visual Artist.

No Espaço das Artes haverá também uma banca, acessível a todos os visitantes, com diversos materiais, nomeadamente catálogos e serigrafias."

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

jornadas de trabalho na FESTA


A Festa do Avante! é feita pelo trabalho voluntário dos militantes e amigos e não seria a mesma se assim não fosse. Ao construir a Festa, experimentamos o valor e o poder do trabalho colectivo, onde o trabalho de cada um conta; experimentamos a igualdade: é gente de todas as idades, novos e velhos, de muitos saberes diferentes, lado a lado, a aprender e a ensinar a montar tubos, a erguer paredes, pregar balcões, pintar murais, coser toldos, instalar luzes. E isso é o primeiro passo para fazer da nossa Festa! um lugar tão especial.

As jornadas de trabalho têm início no dia 28 de Junho. Queres juntar-te a nós?

Contacta um centro de trabalho do PCP ou envia um email para geral@festadoavante.pcp.pt

terça-feira, 26 de agosto de 2025

a gastronomia na FESTA

A melhor comida do país reúne-se na Festa! Do choco frito setubalense, aos bolos lêvedos dos Açores, da posta mirandesa, passando pelo maranho, ensopados, papas, estufados, grelhados ou doces tradicionais. Além da gastronomia portuguesa, há também uma oportunidade para experimentar receitas tradicionais de outros países, como a queimada galega, o pisco do Chile e do Peru, a autêntica pasta italiana e a popular cachupa, porque a gastronomia também é um espaço de património, de encontros, de solidariedade e de muitos afetos.

o país na FESTA


"O combate às privatizações (designadamente da IROA, IAMA e Portos dos Açores) é um dos temas dos Açores. Aqui também se aborda o turismo e homenageia o “escritor militante” José Dias de Melo no seu centenário."


quinta-feira, 21 de agosto de 2025

A romaria

imagem retirada da internet
Quero, antes de mais, fazer a seguinte declaração de princípio: não tenho nenhuma proximidade ideológica, nem simpatia política, com as personalidades referenciadas neste texto, o que não me inibe de emitir opinião sobre alguns factos recentes em que, algumas dessas personalidades foram protagonistas e outras meros figurantes.

O encontro entre Vladimir Putin e Donald Trump, no Alasca, não foi apenas um ato diplomático, a reunião e toda a encenação representa a imagem de um mundo em reconfiguração. As câmaras captaram sorrisos calculados, apertos de mão medidos, de entre outros pormenores que os jornalistas e analistas, em pânico, se esforçaram por decifrar, mas a essência residiu na agenda de Trump que Putin, com mestria, soube aproveitar.

Trump e Putin foram parcos nas palavras para a comunicação social e não alimentaram especulações, recusando-se a responder aos jornalistas que marcaram presença na conferência de imprensa conjunta. Deste encontro ficou claro que a Federação Russa, depois de um esforço hercúleo para a isolar, a ocidente, libertou-se desse sufoco, por outro lado, quer se goste quer não da personagem, Donald Trump ganhou pontos internamente, a sua baixa popularidade aumentou para mais de 50% de aceitação, mas talvez o mais importante seja a demonstração inequívoca de que os líderes da União Europeia e o do Reino Unido, são meros espetadores que aplaudem a guerra e alimentam o medo do perigo russo para justificarem os seus fracassos e a corrida armamentista. Por outro lado, o governo de Volodymyr Zelensky, mais não é do que peão no tabuleiro geopolítico ocidental que sacrifica o seu país e o seu povo agarrado ao mito de que a Rússia é assim como um demónio que se prepara para dominar a Europa. Não é de mais território que a Rússia carece, mas de segurança estratégica e de população que a sustente.

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Quando dei início à recolha de algumas notas para este texto já se conheciam os anúncios de alguns líderes europeus e do o sempre servil Mark Rutte da intenção de se deslocarem à Casa Branca para se reunirem com Trump e Zelensky, de facto a comunicação social de referência, seja lá o que isso for, assim o anunciava: Trump reuniria com Zelensky na presença de Macron, Meloni, Starmer, Stubb, Merz, Von der Leyn e Rutte, havia, contudo, uma exceção o Bild, conhecido tabloide alemão, afirmava que Trump tinha recusado esse formato e que se reuniria, sozinho com Zelensky. Só depois receberia os líderes europeus, o SG da OTAN com a presença de Zelensky. O que veio a verificar-se, mas ainda assim esta coligação dos vencidos, não deixou de comparecer para se fazerem ouvir e ver, como se no atual contexto tivessem alguma importância a não ser o papel de financiadores de uma guerra que ninguém quer, a não eles.

Putin retirou-se de cena, Trump faz o trabalho dos dois e a União Europeia ficou na plateia, implorando pelo protagonismo que Trump, uma vez mais, lhes retirou ao interromper a reunião para falar telefonicamente com Putin. Triste figura dos líderes europeus que foram em romaria ser enxovalhados em Washington. 

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A velha Europa, ou melhor a moderníssima União Europeia, que outrora ditou rumos globais, arrasta-se, agora, atrás da estratégia estado-unidense. A obediência cega tem um preço elevado: tarifas adicionais, perda de autonomia industrial e a humilhação de investir nos EUA para manter vivo um parceiro que a trata como um vassalo. A Alemanha, motor económico da União Europeia, perde importância a cada trimestre; a França, prisioneira do narcisismo de Macron e das suas próprias crises internas, balança entre compromissos diplomáticos e sinais de impotência; Portugal, periférico e obediente, limita-se a acenar e nem sequer foi à romaria. O sonho dos europeístas está a volatilizar-se pelo pragmatismo servil e pela diligência das suas lideranças para não contrariar Washington.

Os EUA, de Joe Biden, a União Europeia e os dirigentes ucranianos que emergiram do golpe de estado, conhecido por euromaidan, escolheram o caminho da guerra, com o apoio dos movimentos neonazis, mormente, ucranianos, embora se verifique a presença de militantes nazis oriundos de todos os continentes.

Os Acordos de Minsk (2014–2015), que previam estatuto especial para as regiões do Donbass, retirada de armamento pesado e supervisão internacional, foram sistematicamente ignorados. Kiev, com o apoio tácito do Ocidente, preparou-se militarmente para confrontar Moscovo. O resultado é conhecido: uma guerra prolongada, uma Ucrânia destroçada, dependente de financiamento externo, uma Rússia consolidada e a União Europeia a pagar a conta. Quem escolheu a guerra esqueceu que diplomacia não é sinal de fraqueza, mas um instrumento para garantir a paz.

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A expansão da OTAN para Leste violou promessas feitas à Rússia nos anos 1990: garantiu-se que a Aliança não avançaria “um centímetro para Leste”. Polónia (1999), Hungria e República Checa (1999), os países bálticos (2004), Roménia e Bulgária (2004), Montenegro (2017) e Macedónia do Norte (2020) foram sucessivamente integrados e, por fim, em 2023, concretizou-se a adesão da Finlândia num claro afrontamento à Federação Russa, uma vez que este país partilha uma fronteira de cerca de 1300 km, com a Rússia. A promessa de adesão da Ucrânia e da Geórgia em 2008 colocou Moscovo em alerta máximo. Os misseis da OTAN estão cada vez perto das fronteiras russas. Moscovo avisou. Renovou avisos. Alertou para as ameaças à sua integridade territorial. O Ocidente fez ouvidos de mercador, mas, em bom rigor, a narrativa russa da desmilitarização e da desnazificação, embora pareça estranha aos ouvidos de muitos cidadãos da União Europeia, não nasceu de um pesadelo dos dirigentes russos: é a reação natural à realidade vivida e cujos alertas, feitos pela Rússia, foram sistematicamente ignorados a Ocidente.

A questão da desnazificação não é um fetiche russo. O Batalhão Azov, com simbologia neonazi explícita, não é ficção, mas realidade integrada nas forças regulares ucranianas. O culto de Stepan Bandera, líder ultranacionalista e colaboracionista do nazismo, tornou-se prática institucionalizada, feriados, monumentos, ruas. Grupos neonazis europeus e de outras partes do mundo deslocaram-se para a Ucrânia, pós-euromaidan, para acederem a treino militar e ideológico. Organizações internacionais documentaram a presença desses grupos no país. Ignorar estes factos é negar a complexidade do conflito e, sobretudo, serve para alimentar a narrativa do perigo russo.

São os cidadãos europeus que suportam o fardo. A inflação corrói salários e pensões; a energia encarecida fecha fábricas e empurra famílias para a pobreza; os orçamentos nacionais desviam fundos da saúde, da educação e da habitação para alimentar a engrenagem militar. Enquanto isso, os Estados Unidos consolidam vantagens geopolíticas, a Rússia resiste e a Ucrânia sangra, prolongando a guerra. Os custos da obediência são claros: perda de autonomia, fragilidade económica e desgaste social. A União Europeia financia um conflito que não lhe pertence, paga por decisões tomadas fora do seu território e por interesses que não são os seus.

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Trump precisa de demonstrar força, aliás cultiva essa imagem, e a União Europeia dá-lhe palco. O encontro com Zelensky mostra que a palavra final será estado-unidense, que a União Europeia deve esperar e que a sua influência se limita ao papel de espetador e financiador. Bruxelas tem abdicado da sua soberania, reduzindo-se ao eco de Washington do mandato de Joe Biden, a agenda mudou veremos como se comportam os dirigentes da União Europeia agora que a administração mudou de posição, e Trump, de forma clara, assumiu claramente teses alinhadas com as posições russas.

A cimeira entre Trump e Putin teve consequências bem visíveis pela forma como a administração estado-unidense assumiu a posição da Federação Russa no que diz respeito à questão de cessar-fogo já, passando a defender a construção de uma paz duradoura e, para que isso seja possível, é necessário resolver as questões que estão na origem do conflito russo-ucraniano, como sejam: a recusa de integração da Ucrânia na OTAN; a desnazificação; e a cedência do Donbass à Federação Russa. Sim! Por tudo isto, mas também pela forma, subalterna, como foram recebidos os líderes europeus.

Ponta Delgada, 19 de agosto de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 20 de agosto de 2025

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

encontros

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Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(…) Trump e Putin foram parcos nas palavras para a comunicação social e não alimentaram especulações, recusando-se a responder aos jornalistas que marcaram presença na conferência de imprensa conjunta. Deste encontro ficou claro que a Federação Russa, depois de um esforço hercúleo para a isolar, a ocidente, libertou-se desse sufoco, por outro lado, quer se goste quer não da personagem, Donald Trump ganhou pontos internamente, a sua baixa popularidade aumentou para mais de 50% de aceitação, mas talvez o mais importante seja a demonstração inequívoca de que os líderes da União Europeia e o do Reino Unido, são meros espetadores que aplaudem a guerra e alimentam o medo do perigo russo para justificarem os seus fracassos e a corrida armamentista. Por outro lado, o governo de Volodymyr Zelensky, mais não é do que peão no tabuleiro geopolítico ocidental que sacrifica o seu país e o seu povo agarrado ao mito de que a Rússia é assim como um demónio que se prepara para dominar a Europa. Não é de mais território que a Rússia carece, mas de segurança estratégica e de população que a sustente. (…)

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

tempestades de Verão

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Estamos em plena estação ridícula ou, preferindo, a silly season. Esta é a época do ano assim chamada, nas corporações mediáticas, por ser de baixa intensidade informativa e pelos critérios jornalísticos ou as linhas editoriais, baixarem a guarda e noticiarem as frivolidades da época. Bem! Atualmente e escalpelizando o conceito pode, sem perigo de errar, utilizar-se para qualquer época do ano, quiçá mais uma vantagem da pós-verdade, dirão os globalistas. Eu não direi mais que lamento desiludir os leitores. Tenho por hábito, nos meses de Verão, aligeirar estes escritos para não perturbar as merecidas férias ou, não sendo o caso, deixar que a tranquilidade dos dias luminosos de verão não seja acinzentada por temas que, apesar do estio, vão acontecendo e, direta ou indiretamente, influenciam as nossa vidas.

As tempestades estão aí e não há como ignorá-las, aliás os efeitos já se vão sentindo na quantidade de dias do mês que sobram ao salário, nos serviços públicos de saúde, na educação, no aumento da pobreza e da exclusão. Se todos, com maior ou menor intensidade, sentimos e conhecemos os efeitos, nem todos temos a mesma visão sobre a origem das causas e, sobretudo, do caminho que temos de trilhar para chegar a um mundo mais justo, mais cooperante e onde a paz seja a realidade que a humanidade exige.

Um destes dias ouvi e vi uma cidadã judia, nascida em 1941, perguntaram-lhe qual era o seu maior problema e a resposta foi: Gaza. Tendo depois justificado a suas preocupações em relação ao povo palestiniano e a sua incompreensão pelas ações do estado sionista.

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Se a pergunta me fosse dirigida a minha resposta, embora comungando das preocupações da cidadã, diria que o maior problema é: a Palestina ocupada por um projeto colonial desenhado pelo sionismo mundial. E a cumplicidade da generalidade dos países europeus e dos Estados Unidos. Não é apenas Gaza, é toda a Palestina histórica, é todo o povo palestiniano que, desde 1948, tem vindo a ser a vítima de genocídio. Não há outra palavra para descrever o terror na Palestina ocupada. Um genocídio transmitido em direto, perante o qual o silêncio dos cidadãos é: cumplicidade; e a atuação política da União Europeia, dos Estados Unidos e de outros países que emergem no cenário mundial é: hipocrisia.


A indiferença europeia perante esta tragédia não é nova. É estrutural. E revela uma subserviência diplomática que não se limita ao caso palestiniano. A União Europeia, que um dia sonhou ser um bloco autónomo, converteu-se num eco submisso da estratégia atlântica. Na Líbia, participou com entusiasmo na destruição de um Estado funcional, mergulhando o Mediterrâneo num caos prolongado. Na Ucrânia, alimenta a ilusão de uma vitória militar impossível, enquanto prolonga o sofrimento e bloqueia qualquer solução política. Na Palestina, ensaia frases ambíguas que não comprometem. E, na questão migratória, o seu cinismo é total: criminaliza as vítimas das guerras que ajudou a provocar e financia milícias e muros para as conter.

A continuidade do Acordo de Associação de Israel / UE, que continua a vigorar, é sintomático da cobarde cumplicidade com o massacre que atualmente atingiu um patamar de terror que nos envergonha a todos. A UE, segundo as palavras de um antigo dirigente político europeu: é um “gigante económico, mas um anão político”; o epíteto é conhecido desde a intervenção da OTAN na Jugoslávia, em 1999, e que se tem vindo a confirmar ao longo destes últimos 30 anos. Esta proverbial frase mantém uma pungente atualidade. Veja-se o resultado do recente acordo entre a UE e os EUA. Este acordo, celebrado com pompa sob o disfarce de uma “colaboração estratégica em tecnologia e comércio”, reforça essa dependência. Bruxelas ajoelha-se perante Washington em áreas críticas como a inteligência artificial, os semicondutores, a indústria da defesa e os fluxos energéticos. Dependência que se constata, também, na aceitação de 15% de taxas sobre os produtos de exportação para os EUA, acolhida sem qualquer imposição de uma taxa recíproca para as importações dos produtos estado-unidenses. A UE, que alguns continuam a ter como modelo social, económico e político, tornou-se uma extensão da Casa Branca. A autonomia dos órgãos não eleitos da UE e das famílias políticas que dominam o Parlamento Europeu, são hoje um mito ou, pior ainda, um pretexto retórico para justificar decisões tomadas à margem dos povos e dos países membros.

Em Portugal, as tempestades globais ecoam com contornos próprios e, sendo o nosso país uma economia frágil e periférica, não é difícil prever que se avizinham tempos complexos para quem vive do seu trabalho, sejam trabalhadores por conta de outrem, sejam trabalhadores independentes, sejam os micro, pequenos e médios empresários. Mas se as decisões externas nos vão afetar, também as decisões internas, com a matriz ideológica do chamado mercado livre, contribuirão para que as condições de vida dos portugueses se agravem e aumentem as clivagens sociais.

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Tendo consciência que o assunto, da forma como olho para ele, não reúne apoio generalizado não posso, contudo, deixar de o abordar neste escrito até pela decisão do Presidente da República que, como é do domínio público, pediu a fiscalização da constitucionalidade de algumas normas “Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional”, vulgo lei dos estrangeiros, que foi recentemente aprovada na Assembleia da República. Mas não é só, as propostas de alteração à “Lei da Nacionalidade” têm suscitado fortes críticas em diversos setores da opinião pública nacional. E tudo isto se passa num país que afirma a pés juntos defender os direitos humanos, como se migrar e reagrupar as famílias não fosse um direito básico da humanidade e a aquisição da nacionalidade não fosse uma condição intrínseca à integração plena no país de acolhimento.

Estes dois instrumentos legais visam penalizar as comunidades imigrantes que têm procurado em Portugal um lugar para melhorar as suas condições de vida, tal como se passou com centenas de milhar de portugueses que percorreram os caminhos da emigração, pelos mesmos motivos e que, também, no destino foram alvo de incompreensão e discriminação. Um país com séculos de emigração e raízes espalhadas por todos os continentes, que viu nascer comunidades luso-descendentes espalhadas pelo mundo, deveria encarar a pertença com abertura democrática e não com desconfiança administrativa, ou arma de manipulação política. A cidadania não pode ser refém de preconceitos culturais, nem de equações políticas cujas variáveis apenas servem para alimentar a imigração ilegal e expor os cidadãos às máfias que se alimentam do tráfico de seres humanos e à servidão por empresários sem escrúpulos, sejam ou não de nacionalidade portuguesa.

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As anunciadas alterações às “Leis Laborais” que visam precarizar, ainda mais, o mercado de trabalho, facilitar despedimentos e abrir a contratação externa (outsourcing) após um processo de despedimento coletivo, diminuir o valor real dos salários, redução do tempo para amamentação, são sinais, de entre outros, que a situação social em Portugal se vai agravar. O Serviço Nacional de Saúde resiste num esforço heroico, mas claudica sob a pressão da crónica suborçamentação. A escola pública, que foi farol de mobilidade e de ascensão social, é agora um espaço de resistência, desvalorização e desgaste para quem nela trabalha, mas também de luta para manter a sua qualidade. A pobreza estrutural alastra. O desalento social cresce. 

Entre as frivolidades da estação, os fogos-de-artifício das campanhas de verão, e a espuma dos dias, o essencial corre o risco de se perder. Mas há verdades que persistem, mesmo sob o sol. E há silêncios que gritam. O verão não pode ser desculpa para a indiferença. Porque as tempestades não conhecem calendário. Nem têm estação própria. A indiferença é aliada do poder e do pensamento dominante. Não sejamos cúmplices, pelo silêncio e pela indiferença.

Ponta Delgada, 5 de agosto de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 6 de agosto de 2025

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Hiroshima, oitenta anos depois

Hoje passam oitenta anos sobre a manhã em que a cidade de Hiroshima foi varrida da superfície da Terra por uma nuvem de fogo e silêncio. A 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram a primeira bomba atómica sobre uma cidade habitada. Três dias depois, em Nagasaki, repetiriam o hediondo gesto. Disseram-nos que era para pôr fim à II Guerra Mundial. Declararam-no, mas não passou de uma mentira pois, sabe-se que o objetivo foi outro e os documentos desclassificados e os testemunhos comprovam-no.

Hiroshima estava viva naquela manhã. As crianças a caminho da escola, homens e mulheres a iniciar a sua jornada de trabalho, idosos sentados à soleira das portas. Num instante, o céu abriu-se num clarão sem nome e a cidade desfez-se em cinza, vapor e dor. Os que não morreram de imediato, viveram para testemunhar o horror: os hibakushas, sobreviventes sem paz.

A explicação oficial, repetida ao longo das décadas, invocou a necessidade de terminar a guerra e poupar vidas estado-unidenses. Evitar-se-ia, diziam, uma invasão terrestre ao Japão. Mas hoje, à distância dos anos e à luz de documentos e testemunhos esquecidos, essa justificação revela-se falaciosa. O Japão estava vencido, esgotado, com as suas cidades destruídas por bombardeamentos convencionais, a economia colapsada, a capacidade militar desfeita. Sondava-se já a possibilidade de rendição. A capitulação dependia, ao que se sabe, de garantir a permanência simbólica do imperador.

Então, porquê a bomba atómica sobre Hiroshima?


Não foi uma necessidade, foi uma demonstração. A bomba caiu, não sobre um alvo militar, mas sobre uma população civil, para que o mundo, em particular a União Soviética, tivesse consciência deste novo poder bélico dos Estados Unidos. Era o início de uma nova ordem mundial, assente no medo. Um aviso geopolítico com consequências humanas irreversíveis.

Mas este hediondo crime, perpetrado a mando de Harry S. Truman (então Presidente dos Estados Unidos), também serviu a outros propósitos: justificar o investimento no Projeto Manhattan, exibir a supremacia tecnológica, testar em cenário real os efeitos desta arma, a sua letalidade e os seus efeitos destrutivos. Hiroshima foi um laboratório de horror, e a Humanidade, uma cobaia.

Alguns dos principais comandantes militares estado-unidenses da época, Eisenhower, MacArthur, Leahy, condenaram o lançamento da bomba. E afirmaram, com a lucidez que a História veio a confirmar, que não era necessário, não era moral, não era humano.

Mas não satisfeitos os falcões e Harry S. Truman repetiram o crime três dias depois em Nagasaki.

O que aconteceu em Hiroshima e Nagasaki foi um crime. Um crime de guerra, sim, mas sobretudo um crime contra a própria condição humana. A paz que se quis impor com destruição jamais poderá ser chamada verdadeira paz.

Hoje, ao recordar Hiroshima, não basta lamentar os mortos. É preciso lembrar os vivos, e os que virão. O arsenal nuclear persiste, moderniza-se, e permanece suspenso sobre todos nós como uma espada muda. Os que detêm esse poder continuam a dizê-lo necessário, como se a segurança e a PAZ se construíssem sobre a ameaça da guerra, com ou sem bombas nucleares.

Mas há quem se recuse a aceitar esse destino. Há quem insista em lembrar, em dizer, em escrever, não por nostalgia, mas por dever.


Recordar Hiroshima e Nagasaki é recusar a amnésia útil dos vencedores e dos seus indefetíveis acólitos, é dizer que a paz não pode ser imposta pela força, mas construída pela justiça, pela verdade e pela memória.

E talvez, um dia, havendo coragem para pôr fim ao armamentismo, seja possível confiar, de novo, na vida. E o futuro, se ainda for possível, terá de nascer do desarmamento, das armas e das consciências.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 6 de agosto de 2025


solidariedade na FESTA

"As expressões culturais, da música à gastronomia, passando pelo artesanato, chegam de todo o mundo à Festa do Avante! e têm lugar cativo no Espaço Internacional, onde organizações e partidos progressistas de vários países se encontram e partilham com o povo português a sua cultura e as suas lutas. Também os muitos Momentos de Solidariedade que acontecem ao longo dos três dias da Festa! nos permitem debater com convidados internacionais a situação dos seus países."

servilismo

imagem retirada da internet

Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) Esta proverbial frase mantém uma pungente atualidade. Veja-se o resultado do recente acordo entre a UE e os EUA. Este acordo, celebrado com pompa sob o disfarce de uma “colaboração estratégica em tecnologia e comércio”, reforça essa dependência. Bruxelas ajoelha-se perante Washington em áreas críticas como a inteligência artificial, os semicondutores, a indústria da defesa e os fluxos energéticos. Dependência que se constata, também, na aceitação de 15% de taxas sobre os produtos de exportação para os EUA, acolhida sem qualquer imposição de uma taxa recíproca para as importações dos produtos estado-unidenses. A UE, que alguns continuam a ter como modelo social, económico e político, tornou-se uma extensão da Casa Branca. A autonomia dos órgãos não eleitos da UE e das famílias políticas que dominam o Parlamento Europeu, são hoje um mito ou, pior ainda, um pretexto retórico para justificar decisões tomadas à margem dos povos e dos países membros. (...)

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Heba Abu Nada - a abrir agosto

Heba estudou na Universidade Islâmica de Gaza, onde obteve o diploma de bacharelato em bioquímica e, em seguida, o mestrado em nutrição clínica pela Universidade Al-Azhar de Gaza, também em Gaza.Em 2017, ganhou o Prémio Sharjah de Criatividade Árabe (segundo lugar) pelo seu romance intitulado: "O oxigênio não é para os mortos"

Em 20 de outubro de 2023, Heba foi morta durante um ataque aéreo perpetrado pela Força Aérea sionista contra a sua casa. Heba tinha 32 anos.

É mais um rosto de mulher a abrir o mês no blogue momentos. É mais um nome com rosto a juntar aos milhares e milhares de assassinatos que, desde 1948, os ocupantes sionistas perpetraram contra o povo palestiniano. Vítimas com rosto e nome.

Fica um poema desta mulher palestiniana.


O ÚLTIMO POEMA

A noite na cidade é escura, 
exceto pelo brilho dos mísseis; 
silenciosa, exceto pelo som do bombardeio; 
aterradora, exceto pela promessa lenitiva da oração; 
tenebrosa, exceto pela luz dos mártires.

Heba Abu Nada

quinta-feira, 31 de julho de 2025

as crianças na FESTA


"Quando dizemos que a Festa do Avante! é a festa de todos, pensamos, claro, nas crianças! Para além do Espaço Criança, toda a Festa se prepara para receber os mais pequenos. Em todos os espetáculos e momentos são bem-vindas, seja na música, no teatro, no cinema, no Espaço Ciência ou na Festa do Livro. E os lugares para a brincadeira são muitos, e com muita sombra fresca, túneis, espaço por onde correr e tendas onde brincar. Há histórias contadas, ateliers e jogos.Há paredes para escalar, carrosséis e insufláveis para rebolar. Há casas-de-banho para crianças e, em vários pontos da festa, sítios para trocar fraldas, micro-ondas, espaço de amamentação e muitas sombras para os piqueniques em família. As crianças até aos 14 anos, inclusive, não pagam EP." 

a ciência na FESTA


"O Espaço Ciência, procura, a cada ano, trazer a ciência com rigor técnico, científico e acessível a todos os visitantes da Festa!. Experiências, demonstrações, documentários e vivos debates têm lugar, pensando e debatendo o papel social da ciência."

quarta-feira, 30 de julho de 2025

a juventude na FESTA


"Por tudo o que cá se pode encontrar e fazer, a Festa do Avante! é a festa da juventude, onde há espaço e tempo para os encontros felizes, para a molhada nos concertos, para as conversas prolongadas, para o barulho preferido, para os amores, para as noites quase intermináveis, antes do último a adormecer fechar a tenda.

Na Festa não faltam os sonhos e anseios e a realidade da vida e da luta dos jovens está presente em debates e exposições: a defesa da paz, do ambiente e de todas as formas de igualdade. 

A Cidade da Juventude, espaço construído e dinamizado pela JCP, é o ponto nevrálgico para os mais jovens que visitam a Festa! Mesmo junto ao relvado do Palco 25 de Abril conta, todos os anos, com um programa de debates, exposições, performances e muita música."

o livro na FESTA


"A Festa do Livro é um canto especial da Festa do Avante! é uma grande celebração do livro e da leitura. Estão presentes dezenas de editoras, milhares de livros de todos os géneros, e uma programação de conversas com autores, fazedores de livros e leitores."

segunda-feira, 28 de julho de 2025

o Cinema na FESTA


"Como o cinema também vive de conversas, propomos uma programação de filmes acompanhada pela presença dos seus autores, abrindo espaço de discussão e reflexão, salientando, não apenas a importância do trabalho invisível escondido na aparência da imagem, como o seu impacto na nossa percepção da história e no modo como encaramos o presente."

Aqui podem ver a programação do CineAvante

quinta-feira, 24 de julho de 2025

declínio anunciado

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Os Estados Unidos da América (EUA) seguem em velocidade de cruzeiro para mais uma crise económica e financeira. Se a crise de 2008 pode ser considerada cíclica, desta vez trata-se de uma crise com contornos sistémicos que, naturalmente, afetará meio mundo. Não todo pois há um mundo que vive à margem da american way of life, e, como tal, os efeitos de uma crise nos EUA não se farão sentir da mesma forma num mundo que é, naturalmente, multipolar.

As civilizações não colapsam de um dia para o outro, a sua decadência vai-se instalando. Há, contudo, sinais de declínio tão evidentes que só a cegueira voluntária impede o seu reconhecimento. A insistência em estratagemas de domínio apenas irão acelerar um desfecho catastrófico. O chamado Norte Global, tendo como principais protagonistas os EUA, a União Europeia (UE) e o Reino Unido, atravessa uma crise profunda, de contornos económicos, sociais, políticos e estratégicos. Os pilares da hegemonia construída no pós-guerra, mas com as velhas caraterísticas imperiais e coloniais, há muito começaram a ceder. E o mundo é muito mais do que o Norte Global, ou seja, à sua volta tem havido alterações substantivas que, salvo melhor e douta opinião, não têm sido devidamente atendidas e a insistência na supremacia eurocêntrica e atlantista está a corroer as instituições. Veja-se o descrédito, devido à subserviência da Comissão Europeia e do Conselho Europeu ao capital financeiro dos oligopólios e à política externa dos EUA, mormente, no caso da questão ucraniana e da Palestina ocupada.

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Os EUA continuam a afirmar-se como a maior potência militar e tecnológica do planeta, direi que tenho algumas dúvidas que ainda assim seja, pois, essa superioridade já não corresponde à sua realidade interna. A dívida pública ultrapassa os 34 biliões de dólares, quando acabar este texto já terá aumentado algumas dezenas de milhões. O défice é estrutural e o financiamento externo, sobretudo através da venda de títulos do Tesouro, começa a mostrar fragilidades, à medida que alguns países reduzem a sua exposição à dívida estado-unidense.

Um outro fator está relacionado com a desindustrialização iniciada nos anos 1980, processo que esvaziou comunidades inteiras, provocando a degradação das condições de vida e o colapso da chamada classe média. A economia produtiva foi substituída por um modelo centrado nos serviços, finanças e tecnologia, altamente lucrativo para poucos e estruturalmente desigual. Os resultados desta opção são bem visíveis: precariedade, pobreza urbana, desigualdade crescente e um mal-estar social que alimenta fenómenos políticos populistas e disruptivos.

Numa tentativa pouco eficaz para travar os efeitos da desindustrialização, os EUA optaram por políticas protecionistas, as famosas taxas sobre as importações, tentando assim um regresso à economia produtiva, mas os resultados têm sido escassos e o regresso à industrialização demora o seu tempo, o capital prefere (quer) lucros fáceis e rápidos, por outro lado os efeitos mais visíveis da política protecionista são: o aumento dos preços, o aumento da pobreza e da exclusão social e uma disfunção nas cadeias de abastecimento.

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A desdolarização é já um dado adquirido, e este deveria ser um dos fatores mais preocupante para os EUA. A celebração de acordos comerciais em moedas próprias, no âmbito do BRICS alargado, mas não só. A moeda estado-unidense está a perder o seu estatuto de referência e à medida em que esse fenómeno crescer os EUA irão enfrentar sérias dificuldades para suportar o seu défice externo e o nível de vida assente no consumo financiado pelo endividamento.

Por estas longitudes e latitudes, isto é, na outra margem do Atlântico a União Europeia mostra-se incapaz de definir um rumo próprio. A resposta à guerra na Ucrânia foi marcada por um alinhamento cego com Washington. A rutura energética com a Rússia, compensada por importações de gás natural liquefeito, sobretudo dos EUA, fragilizou a economia europeia, aumentando os custos energéticos e comprometendo a sua competitividade industrial. A opção da UE pela continuidade do conflito russo-ucraniano ao invés de procurar soluções diplomáticas para a sua resolução tem sido, e continua a ser, um sorvedouro de recursos públicos. A economia da UE já debilitada, em grande medida pela questão russo-ucraniana e pelo efeito boomerang das sanções à Rússia, que o 18.º pacote vai agravar, desde logo, com a proibição da importação de fertilizantes russos, e a economia na UE vai-se afundando a um ritmo preocupante. Vejam-se também os cortes no apoio à agricultura para continuar a financiar a guerra na Ucrânia, bem assim como os cortes na coesão social.

A UE renunciou, na prática, a uma política externa autónoma. A dependência da NATO, cada vez mais orientada pelos interesses estado-unidenses, impede uma política externa europeia própria. A diplomacia perdeu voz, e a russofobia generalizada impede qualquer reconfiguração estratégica a leste. A UE, economicamente poderosa e aparentemente uma referência de liberdade e de paz, tornou-se um ator político secundário no mundo multipolar em formação.

O atual momento da política internacional é mais, muito mais, do que apenas uma crise económica ou geopolítica, estamos à beira do colapso da legitimidade do modelo ocidental e não será difícil prever que essa derrocada irá provocar uma grande instabilidade mundial de consequências, algumas delas, imprevisíveis. As promessas de progresso e estabilidade, que animaram a ordem europeísta pós-Segunda Guerra Mundial, esgotaram-se com o recrudescimento do liberalismo e subsequente rescrição da história. Os pactos sociais que sustentavam a coesão interna foram rompidos. E os povos, sentindo-se traídos, oscilam entre a apatia e a radicalização à direita.

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Entretanto, o Sul Global reorganiza-se. África, América Latina e Ásia procuram caminhos próprios, aprofundam alianças e desafiam a centralidade ocidental. A China afirma-se como uma potência reguladora. A Rússia continua a ter a importância que os seus recursos naturais lhe conferem, bem assim como o seu potencial bélico. Os BRICS testam novas formas de integração. E o mundo começa a ser redesenhado sem o protagonismo exclusivo de Washington, Bruxelas e Reino Unido.

O que está em causa não é apenas a perda de poder, mas a incapacidade de participar na construção de um novo mundo de respeito pela diversidade e de cooperação entre os povos. Os EUA persistem na lógica imperial, confiando na sua força militar e no dólar. A UE vacila entre a nostalgia do seu antigo papel colonial e imperial e no seguidismo cego dos interesses estado-unidenses.  Mas o tempo das hegemonias unipolares é já passado.

O processo de estupidificação das massas, deliberado e tolerado, tem sido reforçado por dois instrumentos complementares: a comunicação social mainstream e as chamadas redes sociais. A primeira, largamente capturada por interesses corporativos e políticos, abdicou do seu papel informativo e crítico para se tornar numa caixa de ressonância das agendas e pensamento dominantes. O jornalismo de investigação foi substituído por narrativas superficiais, que misturam informação e entretenimento (infotainment), e ainda com campanhas de manipulação emocional dirigidas às crenças e com fortes apelos ao sentimentalismo.

As redes sociais, por seu turno, que poderiam constituir-se como espaços de pluralismo e mobilização, tornaram-se num laboratório de vício, desinformação e polarização. A lógica algorítmica privilegia o escândalo e a reação impulsiva, promovendo o ruído em vez da reflexão. A política transformou-se em espetáculo e os cidadãos em consumidores fragmentados, atolados num fluxo constante de irrelevância, medo e distração. Neste cenário condicionado pelos algoritmos e pela decadência da comunicação social mainstream, torna-se mais difícil resistir, pensar criticamente e, sobretudo, mobilizar para alternativas políticas que, verdadeiramente, estão centradas na dignidade humana e na salvaguarda do planeta. Mas, também, é sabido que as lutas nunca foram fáceis, mas continua a existir quem esteja disposto a lutar.

As alterações na ordem política mundial, face aos indicadores conhecidos, são irreversíveis, porém, não se espere que um Mundo novo, mais justo e humano, nos caia no regaço. Nunca assim foi, a única coisa que cai do céu é a chuva tudo o resto é resultado da luta organizada dos povos, esses sim, os grandes motores das transformações sociais da história da humanidade.   

Ponta Delgada, 22 de julho de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 23 de julho de 2025

quarta-feira, 23 de julho de 2025

o Teatro na FESTA

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"O Avanteatro contará com uma programação diversa que trará à Festa do Avante! companhias mais experientes e companhias emergentes, profissionais do teatro de vários pontos do país e produções que dialogam com a actualidade a partir de abordagens criativas distintas e linguagens e temáticas variadas."

das dívidas

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Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.






(...) Os EUA continuam a afirmar-se como a maior potência militar e tecnológica do planeta, direi que tenho algumas dúvidas que ainda assim seja, pois, essa superioridade já não corresponde à sua realidade interna. A dívida pública ultrapassa os 34 biliões de dólares, quando acabar este texto já terá aumentado algumas dezenas de milhões. O défice é estrutural e o financiamento externo, sobretudo através da venda de títulos do Tesouro, começa a mostrar fragilidades, à medida que alguns países reduzem a sua exposição à dívida estado-unidense. (...)

quinta-feira, 17 de julho de 2025

a corrida da FESTA

"A corrida da Festa do Avante! Tem os seguintes objetivos:

Permitir através da prática desportiva oportunidades de convívio e confraternização, amizade e solidariedade perante as contingências dos resultados da competição desportiva.

Proporcionar situações para compreensão do fenómeno desportivo e para defesa dos direitos dos cidadãos à prática do desporto.

Defender os valores do desporto quer como fenómeno de integração, quaisquer que sejam as origens sociais ou convicções políticas ou religiosas dos participantes, quer como contributo para a melhoria das suas condições de vida.

Divulgar a prática do desporto e particularmente a corrida, como elemento essencial, para a formação física das crianças e dos jovens, numa perspetiva educativa e para a manutenção da saúde do normal equilíbrio psicológico dos participantes.

Integrar e valorizar uma proposta alargada de prática de desporto num programa vasto, rico e diversificado de um grande acontecimento cultural e político que é a Festa do Avante!."