sexta-feira, 26 de março de 2010

(Des)Acordo

Foi preciso esperar por uma iniciativa de cidadãos para que um dos principais acordos bilaterais em que Portugal é signatário e os Açores parte directamente interessada, fosse finalmente discutido na Casa da Autonomia – a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, isto porque o Governo, esse, preferiu afastar o assunto de qualquer escrutínio ou participação democrática por parte do Parlamento açoriano.
Uma matéria tão relevante como esta é para a Região deveria ser tratada de forma o mais possível coerente, clara e participada mas, infelizmente o que a revisão do novo acordo laboral e o processo da sua negociação nos trouxeram foram perplexidades, silêncios e omissões.
Perplexidades, em primeiro lugar, sobre a atitude do Governo Regional e, nomeadamente, do Secretário Regional da Presidência representante da Região na Comissão Bilateral. Toda a atitude do Governo Regional foi no sentido de tentar envolver o processo negocial e os seus resultados em profundos e espessos nevoeiros. Procurou iludir, silenciar, distorcer e, por todos os meios ao seu alcance, ocultar a sua total incapacidade e inegável falta de vontade política para defender os interesses da Região. Não deixa de ser curioso o facto de os anos em falta nos dados do Governo sobre o valor proposto pelo relatório de actualização da remuneração dos trabalhadores portugueses, nomeadamente 2000, 2001, 2002, 2004 e 2005, corresponderem exactamente aos anos em que o valor dos aumentos salariais seria mais elevado? Será porventura…coincidência. Não me parece, uma vez que o Secretário Regional da Presidência enumerou, no programa “Causa Pública” da RTP Açores, os dados relativos aos anos em referência.
Outras perplexidades há mas… o tempo e o espaço não permitem e passarei aos silêncios e às omissões.
Desde logo, o silêncio que envolveu todo o processo. Nem os trabalhadores, nem a ALRAA, nem qualquer outra entidade pública da Região foram envolvidos, ou sequer ouvidos, sobre a matéria em apreço. Entendo a necessidade de respeitar o sigilo de uma negociação, desta natureza, entre estados soberanos mas já não entendo que se possa partir para esse processo sem qualquer auscultação da vontade açoriana e dos seus órgãos de governo próprio. A isto chama-se governar no limbo e nas costas do povo açoriano.
O que o Governo pretendeu a todo o custo silenciar é que o texto do novo acordo é um mau acordo, um péssimo acordo! Um acordo em que a parte portuguesa faz todas as cedências, enquanto o parceiro negocial obtém todas as vantagens.
É um acordo que, a vir ser ratificado na Assembleia da República, vem legalizar o continuado incumprimento das obrigações por parte das autoridades americanas para com os trabalhadores e pôr uma pedra sobre os milhões de euros que lhes são devidos.
Mas para além das perplexidades e dos silêncios muitas são também as omissões que oneram esta Revisão do Acordo Laboral. Muito ficou abordar, muito ficou por resolver. Muitas oportunidades se perderam. Ficaram por resolver questões como a da conflitualidade laboral ao não estabelecer clara e incontestavelmente a subsidiariedade da Lei Laboral portuguesa.
Numa conjuntura negocial que poderia ter um potencial favorável, devido quer à eleição do Presidente Barack Obama, quer devido à pretensão americana de aí instalar novas valências, em vez de ganhar, perdemos. Perdemos a oportunidade de consagrar uma cota mínima de funcionários portugueses. Desperdiçou-se a possibilidade de pôr sobre a mesa negocial outras questões que interessam aos Açores como por exemplo a iníqua política de repatriamentos por parte dos Estados Unidos.
Nada garantia que fosse possível atingir todos estes objectivos, mas a verdade é que a parte portuguesa nem sequer tentou. E por isso foi derrotada à partida.
Aníbal C. Pires, IN A UNIÃO, 22 de Março de 2010, Angra do Heroísmo

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