Falar no futuro implica um olhar para o passado e para o presente. O que fomos, o que somos e o que queremos ser.
Sem pretender a caracterizar sistematicamente este passado e este presente, atrevo-me a dizer que não podem ser compreendidos sem o 25 de Abril, data fundadora da nossa Democracia, que nos abriu, finalmente, horizontes de progresso e desenvolvimento. Foi Abril que tornou possível a Autonomia política e administrativa para os povos insulares, antiga e justa reivindicação de auto-governo, que a Constituição da República Portuguesa consagrou em 1976. E as transformações que se operaram então nas ilhas não foram apenas formais. As transformações produziram efeitos reais e notórios na vida das pessoas, na estrutura produtiva, na economia. Nas regiões insulares, dotadas de órgãos de governo próprio, estabeleceram-se prioridades para o investimento em função das necessidades regionais, escolheram-se modelos de desenvolvimento diferenciado, adaptados às capacidades e necessidades de cada uma.
Nos Açores a Autonomia constitucional permitiu vencer atrasos seculares e possibilitou transformações sociais, culturais e económicas assinaláveis. Subsistem, claro, alguns desafios por vencer e é sobre eles que aqui deixo a minha opinião.
Transportes, modelo de desenvolvimento e dependência externa são três dos principais desafios que a Região tem para o futuro. Estão interligados e são interdependentes. Sem a satisfação de um não será possível cumprir qualquer dos outros, nem atingir o principal desígnio da Autonomia: o desenvolvimento equilibrado e harmonioso das nossas ilhas.
O nosso modelo de desenvolvimento foi sempre fortemente condicionado, desde logo, pela geografia, a distância aos continentes, a dispersão geográfica, a pequena dimensão demográfica e territorial, mas também pelos condicionalismos impostos pela espaço político e económico onde nos integramos, Portugal, desde sempre, e mais recentemente a União Europeia. Estas condições fizeram com que a economia regional fosse sempre fortemente dependente e influenciada por factores externos e de conjuntura aos quais nunca se contrapôs um padrão de raiz regional. Ou seja, um modelo de desenvolvimento que leve em conta e valorize as nossas potencialidades internas específicas. Sem descurar, obviamente, os contextos onde estamos inseridos, mas com um objectivo claro de nos defendermos melhor das flutuações e crises internacionais, em suma, de nos tornarmos menos permeáveis às conjunturas externas. O que precisamos é, verdadeiramente, de um paradigma açoriano: um modelo de desenvolvimento sustentável social e economicamente justo, ancorado na terra que sendo exígua é pródiga, no mar que nos dá dimensão e na geografia que nos proporciona centralidade na bacia atlântica, quer olhemos para o Ocidente da diáspora, quer para o Sul macaronésio e lusófono.
Um modelo de desenvolvimento com um forte sector produtivo que assegure um mínimo de soberania alimentar, potenciado por uma indústria transformadora que dê qualidade e dimensão aos produtos da terra e do mar, complementado por um sector de serviços que considere as singularidades açorianas como um recurso único e sustentável, porque diferente e fundado nos equilíbrios entre o homem e o ambiente.
Urge a resolução de um desafio incompreensivelmente ainda por solucionar: a criação e implementação de uma estrutura integrada de transportes marítimos e aéreos de mercadorias e passageiros adequado, desde logo, às dinâmicas e necessidades internas, geradas pela actividade económica e que satisfaça o direito à mobilidade e ao não isolamento dos cidadãos, e que por outro lado garanta que a distância aos mercados que nos são periféricos – Europa, Américas e África – não seja mais um factor de constrangimento. Os Açores conferem dimensão atlântica a Portugal e à União Europeia, os Açores não beneficiam directamente das redes viárias e ferroviárias transeuropeias, será nesse quadro e ao abrigo do estatuto da ultraperiferia que a afirmação açoriana tem de ser negociada e consolidada e, os apoios consagrados de forma permanente, como permanentes são os constrangimentos.
A redução da dependência externa assegura-se por via da execução de um modelo como aquele que proponho, com a redução da dependência energética dos combustíveis fosseis e com a garantia de um mínimo de soberania alimentar. Se quanto à questão energética a Região, é justo reconhecê-lo, tem vindo a fazê-lo o mesmo não se poderá dizer da segurança e soberania alimentar.
Num contexto de profunda crise social e económica, ou talvez por isso, é minha convicção que o futuro pode ser encarado com optimismo na Região Autónoma dos Açores se tivermos coragem para romper com modelos económicos e financeiros fracassados.
Aníbal C. Pires, IN Expresso das Nove, Edição Especial, 26 de Março de 2010, Ponta Delgada
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