quarta-feira, 24 de março de 2010

O preconceito

Todos os utentes do correio electrónico estão habituados a que as suas caixas de correio sejam inundadas por mensagens de diversa índole e, se algumas são filtradas pelos sistemas de segurança e remetidas para “spam” ou “publicidade não solicitada”, outras há para as quais não existe nenhuma barreira informática que as detenha, entram livremente e, neste caso, a triagem tem de ser feita pelo utilizador quer apagando-os de imediato por não ter tempo para ler tudo o que lhe é remetido, quer sujeitando a sua apreciação ao conteúdo e ao objectivo do remetente.
Há dois dias entrou na minha caixa de correio electrónico, vindo de um remetente conhecido, uma mensagem que consistia numa pequena provocação pois é do domínio público a minha ligação ao movimento associativo imigrante, bem assim como do meu interesse pelas migrações enquanto objecto de estudo e reflexão e o mail versava sobre um julgamento de cidadãos estrangeiros ocorrido no território nacional, o que na opinião do remetente tinha sido exemplar.
O título dado ao mail era sugestivo: “Que grande juíza”. A grandeza da juíza, como pude verificar ao ler o conteúdo, não se relacionava com nenhum atributo físico mas sim com as penas aplicadas a um grupo de cidadãos brasileiros que variaram entre os 12 e os 18 anos de prisão efectiva. Até aqui tudo bem. Os cidadãos cometeram de forma continuada um conjunto de crimes e foram justamente penalizados por isso.
Continuando a ler o mail cedo percebi que admiração e reconhecimento que o remetente do mail demonstrou pela juíza não se cingia sequer à aplicação da pena que resultou do julgamento mas sim, ao juízo de valor que a magistrada emitiu no final do julgamento e ao facto de aos cidadãos estrangeiros ter sido aplicada a pena acessória de expulsão.
(…) Isto não é vir do Brasil, achar que continuamos no Brasil e vamos assaltar (…), terá sido isto que a juíza disse no final da leitura do acórdão e que a par da pena de acessória de expulsão (repatriamento) deixou o remetente tão satisfeito com a juíza, pedindo aos céus e à terra que muitos mais seguissem o seu exemplo.
Pois bem! Julgo que o juízo de valor feito pela magistrada é profundamente xenófobo porque, nem no Brasil todos os brasileiros são desonestos e criminosos, nem os cidadãos brasileiros que vivem em Portugal podem ser confundidos com estes ou outros brasileiros que cometeram ou cometem crimes, sejam eles de que natureza forem. É perigoso e era perfeitamente dispensável a emissão de tal juízo de valor.
Quanto à pena acessória de expulsão lembremo-nos de que a sua aplicação linear nem sempre é uma boa e reconhecida medida, ou será que concordamos com os repatriamentos dos nossos conterrâneos vindos do Canadá e dos Estados Unidos e consideramos que isso não é um problema cuja dimensão social afecta quer os indivíduos quer as sociedades.
As leituras simplistas e aligeiradas nem sempre (nunca) são a melhor forma de entender as diferentes dimensões de um problema.
Aníbal C. Pires, IN DIÁRIO INSULAR, 23 de Março de 2010, Angra do Heroísmo

2 comentários:

maiscores disse...

Realmente o Carissimo colega tem rasão.
“As leituras simplistas e aligeiradas nem sempre (nunca) são a melhor forma de entender as diferentes dimensões de um problema.”
Realmente a leitura e a intrepretação que o colega fez ao mail que lhe mandei, foi altamente aligeirada e quiçá tendenciosa.
Não disse, nem penso, que se deverá expulsar toda uma comunidade, seja ela Sul americana, Europeia, ou Africana
Acredito e conheço cidadões de Paises Estrangeiros , que são pessoas, honestas, honradas e cumpridores dos seus deveres civicos. Esses teem todo o meu respeito, admiração e carinho.
O que quis dizer é que todo aquele que vem, seja de onde for, que não respeite os costumes e tradições do nosso País, NÂO FAZEM FALTA NENHUMA CÁ.
Porcaria já temos de sobra cá ( a todos os níveis sociais )
Tal como diz o primeiro ministro Astraliano “ Quem vier por bem será recebido de braços abertos. Quem vier por mal, a porta da rua é a serventia da casa.”
Aplaudi a decisão da Juiza , e continuarei a aplaudir, decisões identicas, sempre que qualquer cidadão estrangeiro cometa crimes , não respeitando as tradições e costumes do nosso País seja expulso.
Com as mais Cordeais Saudações Democratas.

Maria Margarida Silva disse...

Olá, Aníbal!
Após a leitura deste teu texto, onde relatas a ocorrência passada num dos nossos tribunais e que tem a ver com um julgamento de dois cidadãos brasileiros e o comentário final da juíza que o presidiu, cheguei à conclusão de que tinhas sido muito brando nas considerações que fizeste. Sabemos que se podem tecer comentários menos agradáveis ou críticas sem sermos duros… Todavia, neste caso, penso que se tratou, não só de um problema de xenofobia, como também e, principalmente, na minha modesta opinião, de falta de ética e ignorância. Ou esta senhora está completamente fora da realidade ou está senil! Que me desculpe a minha austeridade, mas não consigo, neste momento, ser boazinha como tu.
É por esta razão e outras que muitos dos problemas desta génese que existem por este mundo fora ficam por resolver.

“A ética é a estética de dentro.”
Reverdy, Pierre

Beijinhos e goza bastante a companhia das tuas meninas.
margarida