segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Ainda e sempre o tempo

Foto by Madalena Pires
Não pretendo dizer-lhe como deve usar o seu tempo. Faça o que muito bem entender com ele, utilize o seu tempo como muito bem lhe aprouver, mesmo que a sua opção seja deixar passar o tempo. Mas se nada tenho a ver com o que faz do seu tempo, preocupo-me com meu.
Somos moldados pelo tempo que vivemos e pela forma como o preenchemos. O tempo da nossa existência é finito, É precioso. O tempo, por ser finito, é o bem mais valioso de que dispomos e desperdiçá-lo é um luxo. Luxo a que não me quero dar, nem a este nem a outros luxos passíveis de comercialização.
Sendo o bem mais precioso o tempo não é objeto de compra e venda e, o seu valor não é cotado em bolsa. Se o tempo fosse transacionável a cimeira Davos, do Fórum Económico Mundial, teria já encontrado um qualquer expediente para nos extorquir tempo, como nos têm subtraído dignidade.
Não quero que o tempo passe por mim sem dele tirar partido, quero aproveitar cada instante e vivê-lo intensamente, ainda que não seja o único senhor do meu tempo procuro viver a parte que me cabe escolhendo o que fazer com o meu tempo. Trata-se, está bom de ver, de opções. Escolhas pessoais e intransmissíveis que determinam os caminhos que trilhamos ao longo da nossa existência. Bem sei que existem algumas variáveis que não podemos controlar, mas também sei que uma parte substancial da nossa vida resulta diretamente das nossas escolhas.
Disse logo no primeiro parágrafo que não quero saber como utiliza o seu tempo, nem tenho que o fazer, mas não deixo de me preocupar com o desperdício do tempo com alguns passatempos. Passatempos que não são tão inócuos como podem parecer, e nos querem fazer querer. Alguns passatempos tiram-nos tempo e oportunidades, tempo e oportunidades irrepetíveis.
Inquieto-me com o desperdício de tempo e procuro evitá-lo como faço com outros bens que, não sendo tão preciosos, têm valor um valor material ou imaterial. Esta inquietação resulta, em grande parte, do exercício da minha profissão. Os professores são observadores privilegiados da utilização do tempo e do seu desperdício, desde logo do seu próprio tempo. Mas é a utilidade que os jovens dão ao seu tempo, por imposição ou opção, que me perturba.
Foto by Aníbal C. Pires
Por estes dias fui chamado a fazer uma aula de substituição que, não sendo a melhor das tarefas docentes, confesso que fui com agrado. Gosto de partilhar o meu tempo com os alunos e a informalidade de uma aula de substituição pode resultar num bom aproveitamento do tempo, quer para o docente, quer para os alunos. Tenho, porém, consciência de que as aulas de substituição são um desperdício de tempo.
Após uma breve apresentação e numa tentativa, nem sempre bem-sucedida, de aproximação surgiram as primeiras propostas, feitas pelos alunos, para ocupar o tempo. Sim, para passar o tempo. Podia ter aceite e tudo seria mais fácil para mim, mas eu não gosto de ocupar o tempo, procuro dar-lhe utilidade e, por isso, recusei. Recusei amigavelmente e procurei encontrar uma solução que não contrariasse, de todo, a proposta feita pelos alunos. Aceitaram sem grande relutância, mas passados os primeiros momentos as manifestações de desagrado começaram a fazer-se sentir. Não gostaram da abordagem nem do itinerário por onde os tentei conduzir e, senti que grande parte daquele desagrado era geracional.
E outras preocupações emergiram que não o tempo e como cada um de nós o vive. Mas o tempo que eu já vivi e o que os meus alunos de ocasião ainda não viveram. Separam-nos várias gerações e aquele grupo alunos não sentiu nada em comum comigo, nem eu tive engenho e arte para lançar pontes que nos facilitassem o entendimento.
Já tinha percecionado, em contextos diferentes, esta sensação de que olham para mim como alguém que está a mais e que não tem nada de novo para acrescentar. Alguém que, por ter acumulado muito tempo de vida, deve retirar-se, pois, as suas aptidões não se coadunam com as mudanças operadas nas instituições. Não estando de acordo com os pressupostos, não posso deixar de concordar com a ideia de que me devo afastar. E eu bem queria retirar-me e ser senhor do meu tempo, e assim deveria ser. Não porque me sinta incapaz, mas por direito próprio. Direito que me foi subtraído por uma qualquer decisão tomada numa cimeira de Davos, ou em qualquer outra onde os donos do Mundo e os seus acólitos se reúnem.
O envelhecimento do corpo docente é uma variável que deve ser equacionada nos estudos sobre as questões da educação. Não vou desenvolver o assunto, nem se trata de uma reivindicação corporativa, é tão-somente uma preocupação que sendo minha, não é exclusiva, é comum a outros cidadãos.
O envelhecimento do corpo docente na Escola Pública deve objeto de reflexão de todos, desde logo dos responsáveis pelas políticas educativas, mas sobretudo das famílias.
Ponta Delgada, 21 de Janeiro de 2018


Aníbal C. Pires, In Azores Digital, 22 de Janeiro de 2018 

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