quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Empobrecer - crónicas radiofónicas

Foto by Aníbal C. Pires




Do arquivo das crónicas radiofónicas na 105FM

Hoje fica o texto da crónica emitida a 4 de Novembro que pode ser ouvida aqui






Empobrecer

O anúncio do encerramento da SINAGA, enquanto unidade de produção de açúcar a partir da beterraba sacarina, não constituiu propriamente uma surpresa. As caraterísticas do mercado internacional do açúcar, as regras da União Europeia, os acordos de livre comércio, a diminuta área agrícola de produção da beterraba e, sobretudo a inércia do Governo Regional que, sobre a SINAGA fez o que costuma fazer quando a complexidade dos problemas ultrapassa a gestão corrente, Derrama dinheiro sobre o assunto e espera que, bem ou mal, o tempo resolva.
Em 2010 concordei com a intervenção da Região na SINAGA, ainda que, não nos moldes em que foi realizada. Apesar do meu acordo tinha, contudo, consciência de que não se podia ficar apenas por aí. A empresa necessitava de uma nova unidade de produção e não se podia limitar, apenas e só, à transformação da beterraba sacarina e à refinação do açúcar, tinha de diversificar a sua produção.
No momento e em sede própria assim o propus. Mas o Governo Regional fez sempre ouvidos moucos das minhas recomendações e o PS, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, encarregava-se de chumbar as minhas propostas e recomendações. Até que, corria o ano de 2016, não porque me tivessem ouvido, mas porque os interesses do momento assim o aconselhavam, foi o próprio Governo Regional, pela voz do então Secretário Regional da Agricultura, Luís Neto Viveiros, que anunciou a construção de uma nova unidade de produção para a SINAGA, à saída de uma audição da Comissão Parlamentar de Economia, realizada no dia 6 de Junho de 2016.
Como agora se constata, passado pouco mais de um ano, não passou disso mesmo, de mais um anúncio que se esfumou na memória de alguns cidadãos, mas que, em devida altura serviu um determinado objetivo, quiçá eleitoral pois, como sabem, 2016 foi ano de eleições regionais. Nada de novo no exercício do poder político sustentado por uma absoluta maioria decadente e acrítica. O poder executivo conta com a memória curta dos cidadãos e, os cidadãos mais atentos já se habituaram a destrinçar as alegorias da realidade e vão, cada vez em maior número, desacreditando na democracia e nos seus rituais. Do descrédito à abstenção vai um pequeno passo e, a democracia fenece.
A SINAGA não vai fechar portas, mas com esta decisão a agroindústria regional fica mais pobre. É uma atividade agrícola que fecha um ciclo que teve importância económica, é uma atividade industrial que como outras, ligadas ou não à agricultura, foram encerrando ao longo das últimas décadas, quer em S. Miguel, quer noutras ilhas da Região.
Reduzir a atividade económica produtiva regional é caminhar para o empobrecimento e não há Turismo que nos valha. Veja-se o exemplo das ilhas Canárias um dos destinos turísticos mais procurados e, no entanto, é uma das Regiões mais pobres da União Europeia. Isto para além do turismo ser uma atividade económica de grande incerteza, aliás os Açores estão a beneficiar, certamente do novo paradigma dos transportes aéreos, mas não só. Muitos dos destinos tradicionais na margem sul da bacia do Mediterrâneo, deixaram de ter procura devido à instabilidade que se instalou com a radicalização dos sistemas políticos que resultaram da chamada “Primavera Árabe”. Os Açores beneficiaram claramente com esse e outros fatores ligados à segurança do destino.
Quando em 1983 cheguei à ilha de S. Miguel, tive oportunidade de visitar uma fábrica de reciclagem de papel, ainda a reciclagem e a separação dos lixos não faziam parte dos nossos hábitos, nem os resíduos eram um chorudo negócio.
A fábrica produzia papel kraft e cartão reciclados. Não sei precisar qual foi o ano do seu encerramento, nem as razões que estiveram na origem da decisão, nem o número de postos de trabalho que, com o seu encerramento, se extinguiram, mas sei, e o tempo assim o demonstrou, que a cidade de Ponta Delgada, a ilha de S. Miguel e os Açores ficaram mais pobres.

Ponta Delgada, 02 de Novembro de 2017

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