Foto by Aníbal C. Pires |
Do arquivo das crónicas radiofónicas na 105FM
Hoje fica o texto da terceira crónica que pode ser ouvida aqui
Rituais
Talvez ainda não lhe tenha dito, mas, se já o fiz, volto a dizer-lhe pois, nunca é demais quando gostamos. E eu gosto, Gosto de estar consigo.
Estamos a aproximar-nos, segundo o calendário comercial, das celebrações do Halloween. E quando falamos do Halloween, falamos de rituais pagãos ligados à morte. Assim sendo podemos e devemos falar também dos nossos rituais e, quiçá não dar tanta importância a um ritual importado e mercantilizado.
A vida além morte, ou algo semelhante a uma condição etérea, cedo incorporou o imaginário humano. As representações e construções socias mais ou menos elaboradas deram lugar a cultos e rituais, mais ou menos complexos, mas todos eles associados ao respeito pelos mortos e, também, à ideia de que esses entes, em determinados momentos do ano regressavam aos lugares onde tinham vivido ou, mesmo, que nem sequer se chegavam a ausentar convivendo connosco, ainda que, numa outra dimensão.
As religiões, em particular a católica, vieram introduzir alterações e combater os cultos pagãos à medida que foram colonizando e aculturando outros povos, contudo, e porque a própria sobrevivência e afirmação de algumas religiões está diretamente relacionada, não direi exclusivamente, mas profundamente, com ideia da vida além morte, também elas absorveram e, posteriormente, impuseram os seus próprios cultos e ritos. Veja-se no mundo católico o “Dia de Todos os Santos”, a 1 de Novembro, e o dia dos “Fiéis Defuntos”, a 2 de Novembro.
No Mundo português, continental, insular e mesmo em alguns dos territórios colonizados encontramos manifestações que os povos foram recriando, mesclando o pagão e o religioso. No interior e norte do Continente português, nos Açores e em Cabo Verde, nos meses que antecedem o dia dos “Fiéis Defuntos, encomendam-se as almas procurando, não só, dar-lhes o eterno descanso, mas também garantindo para si as benesses de entrada direta para o paraíso celestial. Chegado Novembro as casas abrem-se as mesas enchem-se de iguarias para que os mortos que nos venham visitar possam saciar a fome e partir em paz. Se a primeira tem um carácter mágico religioso, a segunda está diretamente ligada aos rituais pagãos que herdamos dos celtas e às oferendas a vizinhos e visitantes de ocasião.
Os tempos e as novas teologias encarregaram-se de transformar as genuínas manifestações populares que estiveram na origem do culto da morte e que, em minha opinião, se relacionam, por um lado com o ciclo anual da órbitra da Terra à volta do Sol e tudo o que daí decorre nos períodos de transformação da natureza, e, por outro lado na liturgia dos cultos que as religiões monoteístas introduziram nestes ancestrais ritos.
Os “Santoros” da Beira Baixa, ou o “Pão por Deus” dos Açores, cujos contornos decorrem mais dos rituais pagãos do que do culto religioso, embora a hierarquia católica não os podendo vencer se tenha associado a eles, têm sido progressivamente substituídos pelas festividades do Halloween.
A génese do Halloween é a mesma de outros ritos pagãos, ou seja, o culto da morte e o respeito pelos mortos. A sua adulteração e a sua entrada no calendário comercial com tudo o que isso implica, de bom ou mau, fica a dever-se ao marketing comercial.
Não fazendo parte da tradição portuguesa não compreendo que esta importação da cultura anglo-saxónica se tenha, nas Escolas, sobreposto à tradição nacional e aos seus regionalismos. É aceitável que os docentes de língua inglesa promovam esta celebração, faz parte do processo de ensino aprendizagem da língua e da cultura dos povos anglo-saxónicos, já não é aceitável que a Escola o promova de uma forma acrítica e secundarizando a nossa, ou outras culturas.
Menos aceitável é a submissão da Escola à teologia do mercado, ao consumismo e à uniformidade, num Mundo que é tudo menos igual.
Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 26 de Outubro de 2017
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