segunda-feira, 12 de março de 2018

I Don't Belong Here, O drama da deportação

Imagem retirada da internet
Já tinha ouvido falar do projeto e dos produtos culturais que daí resultaram (a encenação de uma peça de teatro e um filme) e, conheço com relativa proximidade o drama das deportações. Por razões diversas não tive oportunidade de assistir à representação teatral, mas ontem tive ocasião de ver o filme de Paulo Abreu que, não pretendendo substituir-se à peça de teatro encenada por Dinarte Branco, nos dá conta de como tudo começou e como se materializou. O filme, I Don't Belong Here, constitui-se num excelente documental em que um grupo de deportados olha, de forma crítica, para o seu percurso de vida, para os estigmas que pendem sobre si, mas também para a sociedade para onde compulsivamente retornaram e onde não querem, em definitivo, ficar. Nasceram aqui, mas estão moldados por outras geografias culturais e físicas, Não pertencem a esta.
Esta abordagem pela arte ao drama das deportações tem, na sua génese, acompanhamento e concretização, Nuno da Costa Santos como um dos seus principais mentores. Afinal o Nuno é um açoriano de nascimento, um cidadão do mundo atento ao que se passa à sua volta, seja no lugar confinado de uma ilha, seja na vastidão dos espaços continentais. Estas condições não lhe conferem nenhuma particular obrigação, mas não tenho dúvidas que contribuíram decisivamente para o sucesso desta empreitada. Só posso reconhecer mérito a esta iniciativa e ao empenho do Nuno e de toda a equipa que, sem impor roteiros e guiões, soube aceitar, e compreender os contributos e iniciativas dos protagonistas feitos atores, pela mão do encenador Dinarte Branco.
São estórias de percursos da migração interrompidos de forma brutal, dramas pessoais e familiares irresolúveis. Não há como retornar à matriz vivencial onde foram moldados e essa será, porventura, a maior das penas que têm de expiar.
A deportação de cidadãos pelos Estados Unidos e pelo Canadá não é exclusiva destes países. A lei dos estrangeiros em Portugal mantém a designada pena acessória de expulsão, ou seja, a deportação. Existem diferenças substantivas no quadro legal português que a diferencia positivamente dos referidos países, mas em Portugal também há lugar à deportação de cidadãos estrangeiros. Esta referência não pretende justificar nada, é apenas uma menção factual.
A deportação de centenas de cidadãos produz, nos lugares para onde são encaminhados, fenómenos de não aceitação. Desde logo, por parte dos cidadãos deportados que não se identificam nem com o espaço, nem com os comportamentos sociais e culturais, mas também do tecido social do território de acolhimento onde se manifestam alguns e naturais comportamentos de rejeição. Por muito despidos de preconceitos que sejamos, não tenhamos ilusões sobre isso, olhamos para o outro, neste caso alguém que cometeu um crime num país estrangeiro, esteve preso e foi deportado, como um cidadão indesejado, um marginal.

Imagem retirada da Internet
Quando a deportação de centenas de cidadãos é encaminhada para o território confinado de uma ilha esses fenómenos agravam-se exponencialmente. Não é assim de estranhar a recorrente utilização da expressão o rochedo, numa clara alusão a Alcatraz, quando os deportados se referem à ilha onde vivem, neste caso à ilha açoriana de S. Miguel e não à ilha de Alcatraz situada na baía de São Francisco, onde existiu um presídio e hoje é um dos centros de atração turística daquela cidade da Califórnia.
As sociedades insulares têm caraterísticas muito peculiares às quais, neste caso, não vou atribuir nenhuma relevância para justificar as dificuldades que sentem os deportados em se integrarem, bem assim como o sentimento de rejeição social face aos cidadãos deportados. No caso das ilhas açorianas será a sua dimensão territorial e, em particular, a sua reduzida dimensão populacional que mais dificulta a integração e a aceitação dos deportados. Esta asserção nada tem de científico, resulta da interpretação que faço das próprias palavras dos protagonistas também eles os atores quando afirmam, durante a sua estadia em Lisboa, que ali não se sentem discriminados, nem olhados como marginais. A dimensão populacional e a urbe lisboeta aproximam-nos da matriz onde foram moldados, ali sentem-se como se fizessem parte da paisagem urbana, na ilha sentem que serão eternamente excluídos.
A temática da deportação faz, naturalmente, parte da agenda académica dos estudos sobre as migrações e, existem variados ensaios e trabalhos sobre o assunto. Importaria que esta agenda fosse introduzida na ação política e diplomática pois, trata-se de uma questão humanitária que resulta de uma injustiça inaceitável – cumprir uma dupla (deportação), ou mesmo tripla pena (impedimento de regressar) pelo mesmo crime, sendo que a segunda e a terceira inviabilizam a reinserção social e laboral na sociedade pela qual nutrem um forte sentimento de pertença.
A deportação afeta, no essencial, os cidadãos das populações migrantes social, cultural e economicamente mais fragilizadas, por isso emigraram e em virtude disso foram deportados. Nem todos os percursos migratórios são estórias de sucesso. E se a principal responsabilidade é individual, pelo comportamento ilícito e por não terem, em devido tempo, obtido a naturalização no país de acolhimento, não podemos, nem devemos esquecer que as políticas nacionais para a emigração, nem sempre promovem a integração plena nos países recetores de migrantes portugueses. Estas opções políticas responsabilizam-nos coletivamente pelo drama da deportação.
Ponta Delgada, 11 de Março de 2018

Aníbal C. Pires, In Azores Digital, 12 de Março de 2018

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