segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia Internacional da Mulher


Nos 100 anos do Dia Internacional da Mulher um poema de António Gedeão.

Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.


Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve lhe o sangue
de afogueada;
saltam lhe os peitos
na caminhada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.


Passam magalas,
rapaziada,
palpam lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu- se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu a deitada;
serviu se dela,
não deu por nada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá lhe a mamada;
veste se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueija
pela calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

2 comentários:

Maria disse...

É linda esta Luíza...

Obrigada.

Maria Margarida Silva disse...

Olá, amigo Aníbal!

Comemoram-se 100 anos do Dia Internacional da Mulher!
Não são 10, nem 30 ou 40. São 100!
Escolheste um poema horrivelmente belo, se me permites afirmá-lo. E tu sabes porquê. Horrível, porque relata a luta da Mulher, no seu dia-a-dia. Uma luta contínua, dura, monótona, sem tréguas, onde ela é espezinhada, humilhada, usada! Belo, por ser de quem é, pela mensagem, pelo ritmo…
As Luísas deste Mundo saem de casa de madrugada, sobem a calçada e regressam a casa já noite fechada. Ninguém quer saber se elas estão cansadas ou exaustas… O que é importante é que estejam prontas para, no dia seguinte, galgarem a estrada e regressarem à labuta…
Um poema que não está, de forma alguma, descontextualizado!
Quantas Luísas existem, por esse Mundo fora, a sofrerem em silêncio, muitas sem saberem o que as espera no dia seguinte porque foram despedidas e o futuro é uma interrogação e outras porque são vítimas de violência física e psicológica, por parte dos companheiros?
Quantas Luísas, quantas Catarinas, quantas Marias já foram mártires? Quantas delas ainda o são e nem são celebradas?

“Anda Luísa,
Luísa sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.” A. G.

Para todas elas, essas mulheres de coragem que deram a sua vida e as que continuam a lutar, sem medos, por uma vida mais justa e mais digna, o meu Respeito e a minha Admiração.
Bem hajam e bem hajas, tu, querido amigo, por não as esqueceres!
Um abraço.
margarida