segunda-feira, 23 de abril de 2018

Transportes aéreos III – Turismo e transporte aéreo

Foto by Aníbal C. Pires
(continuação)

Com este terceiro texto dou continuidade a esta reflexão sobre transportes aéreos nos e para os Açores, mas não se esgota aqui esta temática, nem estes textos pretendem mais do que dar conta de alguns aspetos que, na atualidade, dizem diretamente respeito ao transporte aéreo de passageiros nos Açores e de alguma forma podem influenciar ajustamentos ao atual modelo.
Hoje abordo algumas questões relacionadas com modelos de transporte aéreo, bem assim como a sua relação com os operadores turísticos regionais, nacionais e internacionais.
Nos últimos anos o destino turístico Açores cresceu visivelmente. Este crescimento fica a dever-se a um conjunto de fatores e não apenas à liberalização das rotas de S. Miguel e da Terceira, como em análises superficiais e de conveniência nos querem fazem crer.
O investimento regional na promoção do destino, a adequação da oferta à singularidade do destino, a instabilidade e a insegurança dos destinos da margem Sul da bacia do Mediterrâneo e do Médio Oriente, ao qual se junta, por fim, a liberalização das rotas já referidas, são os fatores que mais terão influenciado o crescimento do turismo nos Açores.

Foto by aníbal C. Pires
Ainda antes de 2015, ou seja, antes da liberalização das rotas de S. Miguel e da Terceira, o turismo nos Açores apresentava, em particular na ilha do Pico, indicadores de crescimento. Mesmo nos anos em que a crise foi mais sentida, o turismo nos Açores por razões diversas, as quais já referi e irei aprofundar mais adiante, conseguiu manter níveis aceitáveis de rentabilidade, ou mesmo de crescimento. Uma das principais razões que contribuíram para esta estabilidade no setor decorre de um artificialismo, alocação indireta de fundos públicos para garantir fluxos turísticos, desta opção decorre, em parte, o problema financeiro da SATA Internacional/Azores Airlines, pois a Região usou como instrumento desta estratégia o Grupo SATA. Os atuais problemas financeiros do Grupo SATA não se confinam a esta opção política, mas não deixa de ter alguma importância. Mas os fundos públicos foram igualmente alocados ao patrocínio de voos charters para a ilha de S. Miguel, com oferta de voo para outra ilha açoriana na SATA Air Açores. Tudo isto é do domínio público e todos nos habituámos a ver no aeroporto de Ponta Delgada, uma vez por semana, aeronaves de transportadoras aéreas europeias vindas de algumas cidades do Norte da Europa, em regime de voos charters. Existe, contudo, uma outra razão para que, mesmo nos anos negros da crise, os fluxos turísticos para os Açores, em particular para algumas ilhas, tivesse até aumentado. E essa não decorre de nenhum artificialismo, mas de uma estratégia promocional e da adequação da oferta às singulares caraterísticas do destino açoriano. Alojamento diferenciado e oferta de programas ligados à terra e ao mar, potenciando as condições naturais e ambientais. A ilha do Pico será o paradigma quer no que concerne à adequação da oferta de alojamento, quer ainda no que concerne à valorização do seu património natural e paisagem humanizada, mas o mergulho em Santa Maria e o “bird watching” na ilha do Corvo, são também dois bons exemplos e não são únicos.

Foto by Aníbal C. Pires
Mas tudo isto para evidenciar que os operadores turísticos e as transportadoras aéreas complementam-se. Os fluxos turísticos, apesar do paradigma se estar a alterar, dependem muito da dinâmica que os operadores turísticos regionais imprimirem à sua atividade e às parcerias que consigam estabelecer com as suas congéneres nacionais e internacionais. As transportadoras aéreas de baixo custo, as ligações regulares das companhias de bandeira e os voos charters são, digamos, instrumentais destes empreendimentos.
Um bom exemplo do que falo é a entrada da DELTA no mercado aéreo da Região que, como se sabe, causou alguma perplexidade e serviu, como é habitual, para acicatar bairrismos e como arma de arremesso político, embora ancorados em falsas premissas. A vinda da DELTA até pode ter constituído uma surpresa, e para mim foi, mas procurei saber porquê este súbito interesse da DELTA na rota Nova York/Ponta Delgada, por certo não seria pela procura dos açorianos, e claro que não é. A operação terá sido desenhada por operadores turísticos dos Estados Unidos, designadamente um operador ligado à DELTA, que pretende oferecer os Açores como um destino turístico que, por enquanto, está em alta e que tem tido procura por um segmento de cidadãos estado-unidenses. Se existe algum acordo financeiro entre a Associação de Turismo dos Açores (ATA) e os operadores turísticos dos Estados Unidos, desconheço, mas não estranho se ele existir.

Foto by aníbal C. Pires
Falta, ainda, a referência a dois fatores que contribuem para que o setor do turismo apresente taxas de crescimento que enchem de satisfação a generalidade dos cidadãos que veem no turismo a salvação da economia regional e a cura para todas as suas maleitas. A instabilidade e a insegurança de alguns dos tradicionais destinos turísticos e a liberalização das rotas para S. Miguel e Terceira. Quanto ao primeiro, parece-me uma evidência que, na escolha do destino de férias, a segurança seja decisiva, os Açores estão a beneficiar desse facto, não tenhamos dúvidas. Quanto à liberalização das rotas e à entrada de transportadoras aéreas de baixo custo no mercado, sem dúvida que, também, contribuíram para o aumento dos fluxos turísticos, embora seja importante verificar qual a taxa de ocupação/procura por cidadãos residentes e comparar com a taxa de ocupação/procura pelos forasteiros.
Todas estas questões, tal como outras que referi nos textos anteriores, devem ser devidamente tidas em conta, em particular para as “gateways” que não estão liberalizadas. Os voos charter ou soluções como o voo Terceira/Madrid talvez se adequem melhor às necessidades do setor turístico de algumas ilhas do que a liberalização de rotas, como já está a ser preparado para uma das “gateways” do triângulo. E que fique claro que estou a penas a referir-me à canalização de turistas para a Região, a mobilidade dos residentes será abordada no próximo texto.
(continua)
Ponta Delgada, 22 de Abril de 2018

Aníbal C. Pires, In Azores Digital, 23 de Abril de 2018

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